domingo, 15 de outubro de 2017

POESIA MILITANTE




       

       POESIA  MILITANTE


FRIEZA
Dos olhos daquela criança
Que chora
Aparei cristalinas
De cada olho uma lágrima
Que coloquei nos teus olhos de estátua
Insensibilidade de pedra
Já que nunca tinhas chorado:
                      Nem lágrimas de criança se ajustam
                      Aos teus olhos!
Serão de vidro?!

ORATÓRIO
Atrás daquela janela
Está acesa uma vela
                      Não alumia um altar…!
Mas a fotografia de um militar!

EMIGRAÇÃO
Para terras de França partiu
Mais um irmão…
Como os outros clandestino
Analfabeto como os outros.
         Ficarei mais rico sempre que um irmão parte?!
Não!
         Como eles reneguei a herança
         Mas nunca partirei para terras de França.
Enquanto em mim residir a esperança
Não a apregoada na fé
Mas a na falta de fé idealizada
                      Em cada dia
                      Apenas de poentes
                      Que só a natureza
Se permite colorir!

DO HERÓI

Meu remo partido no lombo do mar
Meu coto de braço perdido na guerra
Meu resto de perna amputado de bomba
Meu olho a menos perdido na mata
Meu pensamento interrompido pela última explosão.
                      Coto de braço
                      Resto de perna
                      Olho a menos
                      Pensamento interrompido
Meu remo partido no lombo do mar
Sou o que resta de um Herói da guerra!

em ser operado!
A partir daí
Nos olhos e mãos do “ONU – NATO
Farto de frio
Farto de fome
                      Farto o frio de fome
                      Farta a fome de frio
Vietname !Paquistão !Biafra !
Discussões duras nas Brancas casas
               Sobre a fome de frio farta
               Sobre o frio de fome farto
Nas Casas Brancas discute-se duro
               Sobre as casas sem côr
                      Dos de fome fartos de frio
                      Dos de frio fartos de fome
A frio se discute duro nas Casas Brancas
Alçapões de consciências!
E do alto da vestida sabedoria branca
Brotou a negra sentença:
              
   Tens de pensar em ser operado!
Passei a ver só um bisturi!
               Grande demais para amputar
Minhas cordas vocais!

Mas aqui para nós:
                      Se tiver que ser operado
                      E gritar não for capaz
                      Virei à mesma p’rá rua
                      Com meu grito num cartaz!

Sempre que tiver razão
Lá estarei de cartaz na mão
                              Calarem-me é que não!

E se meu grito
Não couber num só cartaz
Gritarei em dois
E se preciso for escreverei,
                              Pela frente e por trás!

E se me cansar do cartaz
E continuar a ter razão
                              Como agora
Olharei para trás e
Num repelão        
                              Deitar-vos-ei a língua de for !
Não esperarei que m’a puxem
Nem ouvirei vosso palavrório
Como sucedeu naquele dia
                              No teu consultório!...

GUIA “TURISTICO”

Vedes além
Engravatado
Aquele homem parado ?
                              Não é um vadio
                              Um ocioso
                              É um “senhor deputado “ !
A atravessar a rua
Gordinho
De charuto na boca
E olhar sinistro?
                              Não é um assassino
                              Nem um cauteleiro
                              É um post-ministro!
Daquele lado
Com duas moletas
Em metal cromado?
                              Não teve um acidente
                              Veio da guerra
                              Era soldado!
Lá em cima
A meio da encosta
A luzir?
                              São telhados de barracas
                              De gente humilde
                              Para demolir!
E aquele todo sujo
De andar lento
E grande cifose?
                              Não é um desempregado
                              É um mineiro
                              De pulmão silicose!

PRIMAVERA

Dia 21 de Março…
Levantei-me cedo e fui acordar o Sol,
Tinha a intenção de em seguida ir
Escrever uma ode à Primavera !
Ruiu pela base o plano ao recordar o
Abate sistemático e organizado
De qualquer tipo de árvores e no lugar delas
Acumular toneladas de cimento e tijolos
Desequilibrando o sistema anterior.
É Primavera!... (e por aqui ficou o poema )
               Agora vou para a rua construí-la!..

A CARA DO ANGELO
Trazia no rosto o rubor e a alegria
Dos catorze anos incompletos
E da corrida do atraso para o jantar.
- Então que houve?!
                              Espontâneo! Alegre!
Estivemos a preparar uma insurreição!
- … ! Uma insurreição?!...!...!
Metemos pregos e fósforos em todas as fechaduras
                              Do prédio aqui ao lado!
Metemos na estrada aqueles ramos de oliveira
                              Que foram cortados há dias ao fundo da rua!
O atraso foi maior por andarmos à procura de um policia
                              Para o atropelarmos com as nossas bick !
Desculpa lá o atraso, mas tinha de ser! …
Posso ver o último telejornal?
…?!...
É só para ver a cara do Ângelo!


INVASÃO DO CIMENTO

Para silenciarem o coaxar das rãs no charco
Construíram de cimento um mausoléu
De oito filas de “gavetas”
A seguir à minha janela das traseiras
Roubando-me
               Insensatos   insensíveis
O pomar
O rio
O Sol
A Lua
Mas eu invento-os :
                      Com rãs no charco
                      E a espreitar pelas janelas !

PROMESSA
Fica a solene promessa
De contar todas as estrelas
Assim que desapareça a tristeza
Dos olhos das crianças!

OFERTA
Dentro em breve oferecer-te-ei
Naturalmente
Este jardim
Com rosas e pássaros coloridos
Poisados dentro dos teus olhos!

NO JARDIM PUBLICO
Esfreguei com força
Uma, duas três vezes osolhos.
Aquela imagem mantinha-se ali
Quieta
Provocatoriamente quieta
Ao Sol fraco de fim de Setembro.
               Sobre o banco do jardim
               Lado a lado abraçados
               Blusa e saia / casaco e calça.
No chão
Lado a lado também
Dois pares se sapatos
               Um de tamanho e modelo para homem
               Outro de tamanho e modelo para mulher.
Peça escultórica de escola impressionista!?
- Num jardim público?!
Aproximei-me mais e entre as calças e a saia
Num pequeno pedaço de papel “transparente “ li:
       Subimos ao céu mas pouco demoramos
Conservai nossos únicos bens!

FELIZES
Se às estátuas que enfeitam os jardins
Onde crescem as flores e árvores
               E a miséria
Perguntassem se eram felizes
Certamente ouviriam e veriam como eu
Um não plasmado nos seus lábios de musgo
E veriam lágrimas a pingar nos lagos!

CALMOS SONHOS
Belos e calmos serão vossos sonhos
Prolongados que são pelos profundos sonos
                      Quase intermináveis!
Eu mal durmo
Com cada vez maiores pesadelos!
Por isso me levanto cedo
E com vontade de me não deitar.
Prefiro estar acordado… sempre…
Mesmo na noite
Que alguns querem artificiosamente aumentar!
               Estar aqui fora ao Sol com outros
               Abrir novos espaços com outros
Para poisarem as pombas brancas que
                              Cansadas
                              Escorraçadas
Sobrevoam todo o Mundo!...

DIA DE NATAL
Seis anos de idade…talvez
Um metro de cidadão
Dentro de um arremedo de camisa
E dumas esburacadas calças
Que mal chegavam aos pés nús
Frios
Como esta manhã de 25 de Dezembro.
               De peito côncavo
               Esquivando-se ao frio
               De mãos nos bolsos vazios
               Fugindo ao frio
               Olhava:
                      O outro menino à sua frente parado.
Dirigiu-se a ele
De mãos frias nos bolsos vazios
Colocou seu pé nú
Ao lado da bota nova
                              Azul
                                     Do outro menino.
Espreitou
De um e outro lado
                      Será que sorriu ?!
Parecendo satisfeito com a análise.
                      Tirou uma das sujas mãos do buraco-bolso
                      Coçou sua cabecita suja num gesto-hábito   
                      Dos sempre em dificuldade,
E correu passeio adiante
Com o Natal nos olhos
Em busca de umas botas azuis!...
 Reis Caçote
   1968

E SE…
E se
       Um ministro do ultramar
       De Salazar
       Das guerras coloniais
       Fala em paz e democracia
Isso será demagogia?

E se
       Quando dás uma moeda
       Ao miúdo pedinte
       E lhe recomendas que é para um bolo
Isso não será o F.M.I.?!

E se
       Um desconhecido
       À mesa do café
       Vinte paus na mão
       Para uma bica de dez
       Optando entre receber o troco
       E o perder a camioneta
       Resolveu pagar o teu café
Isso é impulse ?!




               II PARTE
TROVOADA
O dia todo para lá do castelo
Fizeram-se e desfizeram-se
Velos de nuvens de lã branca
Que subiam…subiam
Com seus rostos deformados
E enormes narizes.

O Sol, farto daquele jogo de aparece-esconde
Desapareceu de vez por detrás da orada do Anjo.

E a avó Zéfa
Encolhida na sua quase cegueira
Parecia esperar pelos anos
E pelo fim
Dentro do seu xaile preto.

Baixo e prolongado
O primeiro arrastar dos móveis do céu
A seguir à luz do grande fósforo lá fora riscado.

- Aí a temos!
- Deus te guie!
A luz intensa e o ruído entraram atenuados
Pelos filtros dos ouvidos e olhos da avó Zéfa
               De rosário na mão
               Segurando entre dois dedos uma Ave-Maria segredada:
- Ave Maria
  Cheia de graça
  (baixinho)
   O Senhor é…
               Luz intensa a iluminar tudo
               Pelas frinchas da madeira da porta e da janela
               E pelos defeitos das telhas, num telhado sem forro.
BUMMMMMM!
- Santa Bárbara Bendita
  Que no Céu estás inscrita
  Com papel…
BUMMMMMMMMM!
- Ai valha-nos Deus!
- … Em papel e água benta…
E o garoto calado
A tentar entender tudo aquilo:
               A Santa Bárbara lá em cima
               Ao pé do campo da bola
               Fechada numa capela sem janelas
               Todo o ano até Setembro!
BUMMMMMM!
E nova faísca para lá do castelo
E a Santa Bárbara todo o ano prisioneira
Protectora das trovoadas
Nada de atender à frágil súplica da avó Zéfa!
       . Coitados dos que andam na lavoira!
       - Deus queira que não l’es aconteça nada!!!

RIO LIS
Suporto menos cada dia que passa
Essa tua indolência de boi castrado
A roçares-te, impotente
Pelas ervas e areias das tuas margens.

Com teu ventre pútrido
De escamas quase ausentes
E olhos turvos
Abandonas-te
Para o encontro sempre marcado
Com a quase moribunda
Outra parte da lenda.

Não tens o direito
Só porque os poetas te enlearam
Nas suas odes-feitiços
De quase insensivelmente deixares morrer
Sem protesto
Tua amante.
E sem protesto também
Para a morte te encaminhares!

Tens que acordar para a Vida
Nem que para tanto tenha de insultar-te !

Em vez de te entregares ao Mar
De sexo pendente e abandonado
Terás que recusar por algum tempo
Esse regaço de sal
E vires cá acima
Espumando de cansaço e raiva
Arrastando os salgueiros que ainda insistem
Vaidosos
Em pentear seus verdes cabelos
Mirando-se no espelho cada vez mais baço
Que estilhaçará
Como os frágeis diques
Que insistem em prender-te
Frágeis demais para deter tua revolta !
Ressuscitarás à passagem
Qual Messias que recusa ser cruxificado ao mar
Tua companheira de lenda
E abraçarás teus irmãos de caminhada
Anónimos
Restituindo-lhes a esperança
De te encontrarem como vivo irmão !

Se necessário…pede ajuda ao Mar !!!





Reis Caçote

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