POESIA MILITANTE
FRIEZA
Dos olhos daquela criança
Que chora
Aparei cristalinas
De cada olho uma lágrima
Que coloquei nos teus olhos de estátua
Insensibilidade de pedra
Já que nunca tinhas chorado:
Nem
lágrimas de criança se ajustam
Aos
teus olhos!
Serão de vidro?!
ORATÓRIO
Atrás daquela janela
Está acesa uma vela
Não
alumia um altar…!
Mas a fotografia de um militar!
EMIGRAÇÃO
Para terras de França partiu
Mais um irmão…
Como os outros clandestino
Analfabeto como os outros.
Ficarei mais
rico sempre que um irmão parte?!
Não!
Como eles
reneguei a herança
Mas nunca
partirei para terras de França.
Enquanto em mim residir a esperança
Não a apregoada na fé
Mas a na falta de fé idealizada
Em
cada dia
Apenas
de poentes
Que
só a natureza
Se permite colorir!
DO HERÓI
Meu remo partido no lombo do mar
Meu coto de braço perdido na guerra
Meu resto de perna amputado de bomba
Meu olho a menos perdido na mata
Meu pensamento interrompido pela última explosão.
Coto
de braço
Resto
de perna
Olho
a menos
Pensamento
interrompido
Meu remo partido no lombo do mar
Sou o que resta de um Herói da guerra!
em ser operado!
A partir daí
Nos olhos e mãos do “ONU – NATO
Farto de frio
Farto de fome
Farto
o frio de fome
Farta
a fome de frio
Vietname !Paquistão !Biafra !
Discussões duras nas Brancas casas
Sobre a
fome de frio farta
Sobre o
frio de fome farto
Nas Casas Brancas discute-se duro
Sobre
as casas sem côr
Dos
de fome fartos de frio
Dos
de frio fartos de fome
A frio se discute duro nas Casas Brancas
Alçapões de consciências!
E do alto da vestida sabedoria branca
Brotou a negra sentença:
Tens de pensar em
ser operado!
Passei a ver só um bisturi!
Grande
demais para amputar
Minhas cordas vocais!
Mas aqui para nós:
Se
tiver que ser operado
E
gritar não for capaz
Virei
à mesma p’rá rua
Com
meu grito num cartaz!
Sempre que tiver razão
Lá estarei de cartaz na mão
Calarem-me
é que não!
E se meu grito
Não couber num só cartaz
Gritarei em dois
E se preciso for escreverei,
Pela
frente e por trás!
E se me cansar do cartaz
E continuar a ter razão
Como
agora
Olharei para trás e
Num repelão
Deitar-vos-ei
a língua de for !
Não esperarei que m’a puxem
Nem ouvirei vosso palavrório
Como sucedeu naquele dia
No
teu consultório!...
GUIA “TURISTICO”
Vedes além
Engravatado
Aquele homem parado ?
Não
é um vadio
Um
ocioso
É
um “senhor deputado “ !
A atravessar a rua
Gordinho
De charuto na boca
E olhar sinistro?
Não
é um assassino
Nem
um cauteleiro
É
um post-ministro!
Daquele lado
Com duas moletas
Em metal cromado?
Não
teve um acidente
Veio
da guerra
Era
soldado!
Lá em cima
A meio da encosta
A luzir?
São
telhados de barracas
De
gente humilde
Para
demolir!
E aquele todo sujo
De andar lento
E grande cifose?
Não
é um desempregado
É
um mineiro
De
pulmão silicose!
PRIMAVERA
Dia 21 de Março…
Levantei-me cedo e fui acordar o Sol,
Tinha a intenção de em seguida ir
Escrever uma ode à Primavera !
Ruiu pela base o plano ao recordar o
Abate sistemático e organizado
De qualquer tipo de árvores e no lugar delas
Acumular toneladas de cimento e tijolos
Desequilibrando o sistema anterior.
É Primavera!... (e por aqui ficou o poema )
Agora
vou para a rua construí-la!..
A CARA DO ANGELO
Trazia no rosto o rubor e a alegria
Dos catorze anos incompletos
E da corrida do atraso para o jantar.
- Então que houve?!
Espontâneo!
Alegre!
Estivemos a preparar uma insurreição!
- … ! Uma insurreição?!...!...!
Metemos pregos e fósforos em todas as fechaduras
Do
prédio aqui ao lado!
Metemos na estrada aqueles ramos de oliveira
Que
foram cortados há dias ao fundo da rua!
O atraso foi maior por andarmos à procura de um policia
Para
o atropelarmos com as nossas bick !
Desculpa lá o atraso, mas tinha de ser! …
Posso ver o último telejornal?
…?!...
É só para ver a cara do Ângelo!
INVASÃO DO CIMENTO
Para silenciarem o coaxar das rãs no charco
Construíram de cimento um mausoléu
De oito filas de “gavetas”
A seguir à minha janela das traseiras
Roubando-me
Insensatos insensíveis
O pomar
O rio
O Sol
A Lua
Mas eu invento-os :
Com
rãs no charco
E
a espreitar pelas janelas !
PROMESSA
Fica a solene promessa
De contar todas as estrelas
Assim que desapareça a tristeza
Dos olhos das crianças!
OFERTA
Dentro em breve oferecer-te-ei
Naturalmente
Este jardim
Com rosas e pássaros coloridos
Poisados dentro dos teus olhos!
NO JARDIM PUBLICO
Esfreguei com força
Uma, duas três vezes osolhos.
Aquela imagem mantinha-se ali
Quieta
Provocatoriamente quieta
Ao Sol fraco de fim de Setembro.
Sobre o
banco do jardim
Lado a
lado abraçados
Blusa e
saia / casaco e calça.
No chão
Lado a lado também
Dois pares se sapatos
Um de
tamanho e modelo para homem
Outro
de tamanho e modelo para mulher.
Peça escultórica de escola impressionista!?
- Num jardim público?!
Aproximei-me mais e entre as calças e a saia
Num pequeno pedaço de papel “transparente “ li:
Subimos ao céu
mas pouco demoramos
Conservai nossos únicos bens!
FELIZES
Se às estátuas que enfeitam os jardins
Onde crescem as flores e árvores
E a
miséria
Perguntassem se eram felizes
Certamente ouviriam e veriam como eu
Um não plasmado nos seus lábios de musgo
E veriam lágrimas a pingar nos lagos!
CALMOS SONHOS
Belos e calmos serão vossos sonhos
Prolongados que são pelos profundos sonos
Quase
intermináveis!
Eu mal durmo
Com cada vez maiores pesadelos!
Por isso me levanto cedo
E com vontade de me não deitar.
Prefiro estar acordado… sempre…
Mesmo na noite
Que alguns querem artificiosamente aumentar!
Estar
aqui fora ao Sol com outros
Abrir
novos espaços com outros
Para poisarem as pombas brancas que
Cansadas
Escorraçadas
Sobrevoam todo o Mundo!...
DIA DE NATAL
Seis anos de idade…talvez
Um metro de cidadão
Dentro de um arremedo de camisa
E dumas esburacadas calças
Que mal chegavam aos pés nús
Frios
Como esta manhã de 25 de Dezembro.
De
peito côncavo
Esquivando-se
ao frio
De mãos
nos bolsos vazios
Fugindo
ao frio
Olhava:
O
outro menino à sua frente parado.
Dirigiu-se a ele
De mãos frias nos bolsos vazios
Colocou seu pé nú
Ao lado da bota nova
Azul
Do
outro menino.
Espreitou
De um e outro lado
Será
que sorriu ?!
Parecendo satisfeito com a análise.
Tirou
uma das sujas mãos do buraco-bolso
Coçou sua cabecita suja num gesto-hábito
Dos
sempre em dificuldade,
E correu passeio adiante
Com o Natal nos olhos
Em busca de umas botas azuis!...
Reis Caçote
1968
E SE…
E se
Um ministro do
ultramar
De Salazar
Das guerras
coloniais
Fala em paz e
democracia
Isso será demagogia?
E se
Quando dás uma
moeda
Ao miúdo
pedinte
E lhe
recomendas que é para um bolo
Isso não será o F.M.I.?!
E se
Um desconhecido
À mesa do café
Vinte paus na
mão
Para uma bica
de dez
Optando entre receber
o troco
E o perder a
camioneta
Resolveu pagar
o teu café
Isso é impulse ?!
II
PARTE
TROVOADA
O dia todo para lá do castelo
Fizeram-se e desfizeram-se
Velos de nuvens de lã branca
Que subiam…subiam
Com seus rostos deformados
E enormes narizes.
O Sol, farto daquele jogo de aparece-esconde
Desapareceu de vez por detrás da orada do Anjo.
E a avó Zéfa
Encolhida na sua quase cegueira
Parecia esperar pelos anos
E pelo fim
Dentro do seu xaile preto.
Baixo e prolongado
O primeiro arrastar dos móveis do céu
A seguir à luz do grande fósforo lá fora riscado.
- Aí a temos!
- Deus te guie!
A luz intensa e o ruído entraram atenuados
Pelos filtros dos ouvidos e olhos da avó Zéfa
De
rosário na mão
Segurando
entre dois dedos uma Ave-Maria segredada:
- Ave Maria
Cheia de graça
(baixinho)
O Senhor é…
Luz
intensa a iluminar tudo
Pelas
frinchas da madeira da porta e da janela
E pelos
defeitos das telhas, num telhado sem forro.
BUMMMMMM!
- Santa Bárbara Bendita
Que no Céu estás
inscrita
Com papel…
BUMMMMMMMMM!
- Ai valha-nos Deus!
- … Em papel e água benta…
E o garoto calado
A tentar entender tudo aquilo:
A Santa
Bárbara lá em cima
Ao pé
do campo da bola
Fechada
numa capela sem janelas
Todo o
ano até Setembro!
BUMMMMMM!
E nova faísca para lá do castelo
E a Santa Bárbara todo o ano prisioneira
Protectora das trovoadas
Nada de atender à frágil súplica da avó Zéfa!
. Coitados dos
que andam na lavoira!
- Deus queira
que não l’es aconteça nada!!!
RIO LIS
Suporto menos cada dia que passa
Essa tua indolência de boi castrado
A roçares-te, impotente
Pelas ervas e areias das tuas margens.
Com teu ventre pútrido
De escamas quase ausentes
E olhos turvos
Abandonas-te
Para o encontro sempre marcado
Com a quase moribunda
Outra parte da lenda.
Não tens o direito
Só porque os poetas te enlearam
Nas suas odes-feitiços
De quase insensivelmente deixares morrer
Sem protesto
Tua amante.
E sem protesto também
Para a morte te encaminhares!
Tens que acordar para a Vida
Nem que para tanto tenha de insultar-te !
Em vez de te entregares ao Mar
De sexo pendente e abandonado
Terás que recusar por algum tempo
Esse regaço de sal
E vires cá acima
Espumando de cansaço e raiva
Arrastando os salgueiros que ainda insistem
Vaidosos
Em pentear seus verdes cabelos
Mirando-se no espelho cada vez mais baço
Que estilhaçará
Como os frágeis diques
Que insistem em prender-te
Frágeis demais para deter tua revolta !
Ressuscitarás à passagem
Qual Messias que recusa ser cruxificado ao mar
Tua companheira de lenda
E abraçarás teus irmãos de caminhada
Anónimos
Restituindo-lhes a esperança
De te encontrarem como vivo irmão !
Se necessário…pede ajuda ao Mar !!!
Reis Caçote
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