domingo, 15 de outubro de 2017

POESIA DOS ANOS 60

 


             
DÉCADA DE 60 – DESPONTAR DE TANTA FLOR NA SAVANA DA GURRA COLONIAL


ESTRELAS

Estrela teimosa
Persistindo no suicídio
Por afogamento
Em cada noite que passa
E olho
Ali em baixo
Água parada
Em que procuro ver reflectidas
As rugas do meu pavor.
Que vem dos ramos sem andorinhas
E se agitam de frio
De lágrimas de estrelas
Sem lagos para o seu suicídio
De todas as noites.


O QUE TENHO

O que tenho?

Um domingo quase no fim do látego
Uns montes que me oprimem
Um aparelho tv mal funcionando
Um programa repetindo
Umas nuvens baixas negras de chuva
Um vento estropiado de trote de rio barrento
Um quadro meio queimado
De castanho mal pintado
Uma falta enorme de inspiração
Para a revolta!

Uma merda!

VINGANÇA

Incapaz de pensar
Para escrever
Escrevo
P’ra não pensar!
…vingança da incapacidade!


OS POETAS

Como eu admiro os poetas
Que conseguem ver uma flor
                                       Onde apenas vejo musgo
Que conseguem ver uma estrela
                                       Onde apenas vejo uma lágrima
Que conseguem ver um amplo sorriso
                                       Onde apenas vejo um esgar
Que conseguem ouvir um hino
                                       Onde apenas oiço soluços
Que conseguem ver límpidos contrastes
                                       Onde apenas vejo um borrão de cores esbatidas
Que conseguem ver um puro regato
                                       Onde apenas vejo uma torrente de lama!

Ah! Eles são os verdadeiros poetas
                                       Eu sou um complicativo.
Reis Caçote



DIFICIL SER

Difícil ser vagabundo
De sonhos verdes
De banco de jardim.

Só resta o musgo nos muros
E outro pretenso vagabundo
Ao pé de mim moribundo.

Como é difícil ser vagabundo!


EM BUSCA DE

Mais uma tarde inteira corri
Pela tempestade de poentes
                                       De doirar lágrimas
Na esperança de encontrar-te
                                       Nua
Em qualquer parte
                                       Verdade

Voltei já tarde
Pelos mesmos caminhos
De látego marginal
Procurando correr de cansaço
Atrás de mim próprio7
Com a ideia de continuar amanhã
Com os pés descalços
Sobre as papoilas de lábios cerrados
Descrentes como eu
          De encontrar-te
Em qualquer parte!

FARTEI-ME

Fartei-me de carregar este fardo
De bruma constante
Que dificulta o voo das andorinhas
De todas as primaveras
À procura de seu ninho inabitável
De musgo nas janelas
E frio.
Frio de grades de aranha
A passar pelos corredores do cansaço
Da tarde que não chegou ainda
Mas se avizinha
Com a tristeza do trevo à chuva…

INSULTO

Insulto matinal
De rafeiro de cauda erguida
No seu gesto natural
De levantar a pata traseira
E mijar
Displicente
No pedestal do busto
Do comendador!

MORRER EM PÉ

Não para que todos soubessem
Mas gostaria de não morrer como eles.

Gostava de morrer na rua
Numa explosão
E projectar no espaço de bruma
O que não consegui em vivo
Tudo o que bom possuía .

Gostava de morrer em pé!


 ACUSAÇÃO

Continua a formar-se geada
No caminho de todas as cabras
No pasto de todos os vendavais
No recando de todas as fomes
Fomentadas.

Castigo frio para os que
Se cobrem com o Sol.
Os fabricantes dos cobertores dos outros.
Os que andam apressados pelos trilhos de todas as cobras
Cortados pelas lâminas de todos os nortes
Ameaçados com promessas de calor
Cansados…

Mas que a lua também beija.


SEREI TALVEZ

Serei talvez um marginal
Por não aceitar
A amorfa confusão
Da sociedade a que na superfície pertenço.

Fartei-me
                    De amplos gestos
                    De palavras rebuscadas
                    De frases inconvenientes
                    De alardes de heroísmo
                    De revolucionários de café
                    Do colorido artificial e inútil
                    Da guerra dos jornais
                    De futebol.

Não preciso disso para escrever.


NEM SÓ

Habitar sozinho
Esta raiz de orvalho
E espreitar pela manhã
A vida
Que se avizinha
Mo arrastar de pés cansados
Do dia anterior
E
Convidar esses seres
Para a refeição que não tiveram
E
Dizer-lhes que
Como os Senhores
Têm direito à vida
Pois nem só de trabalho
Vive o Homem.


OUVIR SEUS AIS

Gesto guilhotina a rasgar
O véu translúcido
Mal cobrindo a ignorância
Não aceite
Só por alguns desejada.

Tempestade de pântanos
Calada elo chicote
Do não saber
Apenas poder.

Campeões do silêncio
Da incerteza
Do medo
Do isolamento
Dos favores dos senhores
Da inconsciência permanente
Dos deveres
Dos direitos que não conhecem
Do dizer sim quando é não
Das palmas nas ruas
Das flores nas ruas
Para não serem sempre campeões do silêncio
Para lá do véu que rasguei
Com gesto guilhotina
Numa manhã de coragem
                    Para ouvir seus Ais.


MOÇÃO

Vai ser posta à votação
Na magna assembleia
Uma moção:
          Para criação de um feriado
          Que distinguirá o jardineiro
          Deste jardim
          À beira-mar plantado.
Se for “sim” haverá feriado
Se for não
          - Poderá ser não ?
Será exilado.

Reis Caçote



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