DISPERSA NO ESPAÇO
NO
TEMPO
NO TEMA
I – ÉS
O dia todo
mentalmente a
estudar a mais
bela frase para te
definir.
A incapacidade ou
timidez
à noite
na tua presença
permitiram só
que dissesse: ÉS !
II – UM ANGEL
Com um
olhar impar
cial
viu sua alteza
serenissima que
a greve geral o não fora
…quanto muito parcial
diria mesmo
parcialissima !
O homem ensandeceu mesmo
!
III – POESIA
E aqui estou
pendurado
num galho-pensamento
suspenso
sobre o pantano da manhã
… a crescer
indeciso
entre o deixar-me caír
de cansaço
ou saltar
furioso
para o ventre do poema !
Então se
na pintura existem
o cubismo
o realismo
o impressionismo
o romantismo
por quê esta mania
de ser má
minha poesia ?!
IV – E O MAR
!…e o mar
á noite deixará de
estar suspenso
dos olhos das gaivotas e
saciará sua fome
de
escamas e de
sereias
incompletas!
Não seremos
como o vento
as testemunhas dos
sonhos mais profundos
para
se cumprirem
à
flor da pele !
V – MANDELA
Decididamente
(não
decisivamente)
Encarceraram-no
(não
seguramente)
No interior dos muros da ilha
(pareciam
invioláveis)
E
preparavam-se para descansar
(erradamente)
Não morreu !
não murchou !
cresceu cresceu
CRESCEU
como hidra no seu meio!
Encheu a cela
e os corredores
subiu
os muros
encheu seu País e
o
Mundo alagou
de
Solidariedade.
Hoje
onze de Fevereiro
do
ano de mil novecentos e noventa
Mandela foi libertado!
Alguma vez esteve preso: Mandala ?!
VI – GAIVOTA
Gaivota
teu
voo brisa
é
mesmo voo
ou
será indecisão tua
na escolha de
azuis
de
céu e mar?
VII – TEUS OLHOS
Nos teus olhos de
madrugada
e
de sono
envoltos de fumo
e suor
ressurge a vida
ainda tensa
crescendo
na pele e no ventre
da noite opaca
que parecia não
ter fim!
Na madrugada está
sorrindo
gargalhando
Aleluia!
VIII – ESPERA
Da doca
um odor a mar
e a axilas suor
que a brisa atravessando
o Sol
traz até à mesa do café
da espera
Do futuro!
IX – PENICHE
Lá de longe
de Peniche
há um grito de mar
transportado das ondas
nas asas de vento
e de gaivota
ânsia de liberdade.
Hoje, agora, nos teus olhos
vestidos de verde
de esperança
De riso promessa!
XII – PRAIAS DE OUTONO
As tristezas de Outono
transformadas em
lágrimas
de chuva
tombam sobre a areia
deserta
que há poucos dias
escaldava
de Sol e de promessas
Que o Inverno fará
esquecer!
XIII – AGOSTO
Um Sol em brasa entrou
pelo Agosto
assestando seus raios-dardos
sobre a pele curtida
das mãos e braços
ameaçando secar
olhos e garganta
nas sombras-sauna
sem fona de ar fresco
a circular !
Fornalha !!!
E
no fim do dia
a fornalha apagada
dentro de uma noite
de cinza
continuava
Espalhando no ar
mosquitos e morcegos
bailado louco de
fraca inspiração
Com desespero de uns
na morte alimentando a vida
do predador alado!
Sem protestos audíveis
Sem gáudio também.
A Lua lá vinha
devagarinho
a fingir de meio queijo
cortado em direcção ao miolo
dos lados do Carrascal.
Passando sobre a torre da igreja
subindo para o meio da noite
como se fosse em busca da
Via Lactea.
Decidi ir sentar-me na fraga
da Capela do Anjo e
esperar que ela chegasse
afagando-a e
baixinho
pedia
deixa-me ir contigo
neste teu nocturno passeio…
Prometo que te dedicarei
um poema
com as gotas de suor
escorrendo para o papel
sem lágrimas de despedida
para fazeres ciúmes
ao Sol
quando com ele cruzares
da próxima vez e
Se dê o eclipse !
C.Melhor, 2/8/87
XIV – SÓ DE…
Só de silêncios são feitos
nossos intermináveis diálogos
Só de distância são
nossos constantes encontros
Só de tristeza
nossos eternos olhares
Só na aparência o são assim
os ingredientes de que se compõem
Espontaneidade
naturalidade
verdade
Hão-de eternizá-los !
XV – UM DIA SERÁ
Um dia virá
próximo ou distante
em que todos e cada um
será esquecido.
E como é agradável esta certeza !
XVI – NOITE DE NOVEMBRO
Um vento agreste e gelado
agita
na escura noite de Novembro
as poucas e anémicas folhas
que no ar de vertigem
se precipitam no chão
ensaiando com outras que
já lá estão
loucas de cansaço e
fartas de verão
a dança a meus pés
em turbilhão !
O som soprado do vento
canalizado pelo corredor arqueado
da Miguel Torga
de direcção indefinida
atinge-me no centro
do pensamento
como fundo musical de
um filme de terror
Com portas a bater
na cara de cada susto
de olhos de louco que
na noite insistem em ver
nas colinas lá ao longe
catedrais
com zimbórios de seios
desenhados
em que os braços de súplica
imitam torres e
os sons do vento
como orgãos imensos
ecoando pelo ar.
De olhos fechados e
ouvidos tapados terão
tudo isto no verão:
Mas senti-los é que não !
XVII – VESPERA DE NATAL
Luanda
véspera de Natal:
O calor que descia de um céu carregado
de nuvens negras e grávidas de chuva
caía sobre o esfalto da Mutamba
e sobre o negro sinaleiro
de brancos punhos e capacete
que gesticulava
Rei mago de um presépio vivo
Rodeado de garrafões e
grades com garrafas
de caixas de banana e abacaxi
ué
que os “sempre simpáticos” motoristas
iam largando em volta do púlpito e do apito!
E os pensamentos fugiam
para a aldeia da Beira e
para o presépio rodeado
de braços de eucalipto de
algodão fingindo neve
salpicados
O Menino deitado sobre palhas
sem garrafões ou abacaxis
apenas um burro e uma vaca
deitados também
em pé o São josé e do outro lado
a Virgem sentada.
Como são diferentes os Natais
por esse mundo além!
E não querem alguns
que os homens o jejam!
O sinaleiro da Mutamba é um bom exemplo
de Rei Mago!
XVIII - POETA
Vi-o juntar
empilhando-as
uma a uma
no alto do penhasco
a pique sobre o mar
em furia
as palavras.
De seguida
pela base o
rochedo abanar e
num poema registar
a vertigem no ar
das palavras em queda
no mar !
Reis Caçote/87
Reis Caçote/87
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