quinta-feira, 12 de outubro de 2017

ALGUNS SENHORES DA MINHA ALDEIA



                                                    ESTE E OUTROS TEXTOS, INICIALMENTE, HAVIA A INTENÇÃO DE INTEGRAREM O QUE SERIAM “AS RECORDAÇÕES” E PODEM CONTINUAR A FAZER PARTE, PORQUE OUTRA COISA NÃO SÃO TAMBÉM.
         Os Senhores e Ti’s da minha aldeia, numa forma simplista de designação, são ainda resíduos esbatidos da época do feudalismo que naquela região de pobreza de solo eram poucos os senhores feudais.

    “ Alguns Senhores da Minha Aldeia”

Por razões não muito explicitas, mas aceites naturalmente pela generalidade dos habitantes, determinado conjunto de pessoas era tratado por “Senhor”, enquanto a maioria era tratado por “Ti”e Ti’a”.
Nunca liguei muito a este pormenor, quer enquanto lá estive, quer depois de ter rumado a outras terras, o percurso foi feito sem o questionar. Não me chocava então nem hoje me chocaria, nunca me pareceu sintoma se sujeição de uns em relação aos outros, tendo mais a ver com a forma de educação e respeito.
Se digo que nunca me pareceu uma forma de sujeição é por que, quando me pareciam e no que a mim dizia respeito, as coisas mudavam de figura naturalmente ou então fazia a promoção delas.
Era habitual os afilhados pedirem a bênção aos padrinhos quando com eles cruzavam ou a casa deles iam. Eu tive sempre real dificuldade em juntar as mãos como quem está a rezar, fazer uma vénia bem ou mal desenhada e dizendo: “padrinho, dá-me a sua bença?” Penso que bênção nenhum afilhado dizia, pois os” purismos” linguísticos nem sempre eram bem encarados quando ouvidos por alguns mais velhos.
Verdade seja dita: não via que os miúdos andassem de mãos postas por dá cá aquela palha; ou seja, eu não era a exceção, fique claro.
A rudeza geral das pessoas não era um culto, era uma realidade natural, como natural era o porte das mesmas.
Mas deixemo-nos desta fastidiosa e nada conseguida tentativa de falta ou falha de educação, a que hoje ninguém ligaria, e vamos aos Senhores e, se a “conversa” escrita para lá se encaminhar, falarei também de alguns Tios e Tias, estes sim merecedores de citação, mas que à abundância nem sempre corresponde brilho ou motivo de reparo;
Os senhores;



1 - JOSÉ CASSIANO DE ALBUQUERQUE ANDRADE SARAIVA,                                                           e mais uns seis apelidos de famílias da nobreza brasonada, meu padrinho e, sem exagero, padrinho de mais de metade dos rapazes que nasceram aí uns vinte anos antes de mim.
Era descendente direto da Senhora, esta sim respeitada e certamente respeitável, mas que a maioria dos vivos de então não conhecera, nem o Senhor Cassiano, quase pela certa; fazia parte de uma linhagem de famílias que, segundo li algures, o nome do Senhor Cassiano de Albuquerque e seus vários apelidos, passando pelos Andrades, Saraivas, Vasconcelos, sendo o último, sem muita garantia, o de Albuquerque, não só por ser assim que todos o tratavam, mas por ser este que consta do meu registo de nascimento, que ele subscreveu, registo falseado mas real.
O senhor Cassiano era, naturalmente, o herdeiro directo e parece que  único varão, outro não conheci nem dele ouvi falar, o que não quer dizer que não exista, daquele alinhamento de famílias; tinha duas irmãs, a Dona Maria, casada com o senhor Aníbal Soares, industrial de várias fábricas, todas destinadas ao processo de produtos agrícolas: lagares, fábricas de farinha, de massas alimentícias da marca na época bem conhecida “ Massas Vouga” e também de sabão; a refinação do bagaço da azeitona, que servia para apoiar a dieta alimentar de suínos, trouxe a produção de óleos alimentares; uma outra irmã de meu padrinho, Dona Horácia, casada com um irmão do senhor Aníbal, de nome Virgílio, pais do meu acidental condiscípulo durante dois anos últimos da primária, o Aníbal, por alcunha “de Foz Côa”, que era onde vivia quando os pais se separaram e ele foi viver com o tio e meu padrinho, o senhor Cassiano Albuquerque, o senhor em apreciação neste apontamento; esperemos que sim, pois neste entroncamento de famílias não o garante de todo.
O senhor Cassiano de Albuquerque, além de ser proprietário de terras e quintas, provenientes da herança secular, em conjunto com as irmãs e mais tarde com o cunhado por afinidade, o senhor Patrício, casado com a outra irmã da madrinha Cecília, de quem falaremos depois, era um pouco de tudo.
Do casamento nasceu uma filha, Noémia, minha madrinha de baptismo, com poucos dias de diferença do meu irmão do meio, o Licinio; só não sei qual nasceu primeiro, mas como a Noémia foi amamentada pela minha mãe, por falta dele, em quantidade ou qualidade da minha madrinha! Isto quer dizer, grosseiramente, que o Licínio, meu irmão e a Noémia, minha madrinha, são irmãos de leite.
Não me posso esquecer que é do senhor Cassiano de Albuquerque que estou ou devo falar, senão acaba por dar uma misturada que nem eu entenderei daqui a dias.
Além de grande proprietário de terras este senhor era também, no campo “politico” (oh, padrinho, mantenha-se sossegado onde estiver, mas a linguagem de hoje é assim, tudo é politica excepto a politica) o presidente da Junta de Freguesia, por herança não sei de que ramo da família, desde que nasci até ir para Lisboa e só anos mais tarde deve ter negociado com o cunhado, senhor Patrício, casado com a irmã da minha madrinha Cecilia e mais tarde, não sei quantos anos passou a ser um forasteiro, como o senhor Patrício o terá sido, capador de porcos para engorda e de bois, muito menos, porcos quase metade da povoação tinha, bois só dois ou três lavradores, as terras não eram aconselhadas a bovinos por serem muito acidentadas para as vacas trabalharem e pastagens não havia! O forasteiro capador casou com uma das solteiras abastadas da aldeia.
Era também “enfermeiro”, este senhor de Albuquerque, não para grandes trabalhos de enfermagem que ninguém precisava, cada um tratava das suas feridas, mas para ser responsável pela vacinação dos pequenos, contra a varíola, que também lha chamavam bexigas, e depois contra a coqueluche, aquela tosse que começava e parecia que fim não tinha! A da varíola todos, sem exceção, a partir de não sei que idade, tinha que ser marcados com aquela coisa parecida com um aparo de caneta, com a qual rasgava a pele do braço em dois sítios diferentes mas próximos, aplicando de seguida uma gota de um liquido que seria a vacina. Nunca vi tanto garoto a chorar alto ao mesmo tempo senão no dia em que ele atacou na escola. Os mais pequenos ainda estavam na bicha de espera e já se ouviam os choros abafados e as lágrimas a correrem e a ser limpas às mangas sujas das camisas. Ficavam sempre as cicatrizes para o resto da vida como se fosse gado com a marca Cassiano de Albuquerque. As minhas ainda por cá andam.
Era também o distribuidor do correio, ou melhor, o receptador e entregador, depois de a Benvinda “Xareta” o trazer da estação e do comboio que o transportava; eram um ou dois sacos que vinham fechados a aloquete (cadeado era no Porto e Lisboa) e depois lidos em voz alta, não muito, porque a rua Larga era e é estreita e os esperantes do correio eram poucos, a emigração ainda não tinha começado e a essa não assisti, já estava em Angola. Alguns não estavam na abertura dos sacos e era uma ou outra vizinha ou vizinho quem leva as cartas! A Benvinda só entregava o remanescente.
O consultório médico também era na casa deste senhor que funcionava, uma vez por semana, vindo de Almendra a Castelo Melhor, a cavalo, pois automóveis não tinham ainda sido incluídos no cabaz de compras de dois ou três que poderiam e mesmo que no cabaz o incluíssem lá ficaria, pois não conseguiriam fazer o percurso, quer pela magreza dos caminhos, quer pelo mau trato que a água das chuvas, meio louca a descer as encostas, lhes causava todos os anos. Só em casos de urgência ou já sem urgência alguma quando o caso era a morte, é que o doutor Caldeira se deslocava a Castelo Melhor fora do dia estabelecido.
O primeiro rádio na aldeia foi o do meu padrinho, o senhor Cassiano e só mais tarde apareceu o segundo, de outro senhor que para a aldeia foi viver.
Mas a principal actividade do senhor Cassiano era a gestão das terras que não amanhava, arrendava ou negociava outra forma e no Inverno era o lagar, que fazia a safra de toda a gente que tivesse oliveiras.
Ali sim, era um gosto vê-lo, sobretudo quando as coisas corriam bem: era o único técnico e aferidor da qualidade do azeite extraído. E era muito o azeite e o lagar ainda hoje funciona, não sob a omnisciência do meu padrinho, onde está de nada lhe valeria. O seu genro e meu padrinho também, mas do crisma foi quem voltou o lagar a funcionar e será agora o chefe do lagar.
Era extravagante como um rapazinho em época de férias, mais divertido do que os jovens, ele nunca terá ido além da adolescência, sempre pronto a pregar partidas aos caloiros convidados, cultivando suas praxes e preparando uma excelente jeropiga; as chouriças nunca faltavam na adega e convidados também não.
A Dona Cecilia, minha madrinha e prima de segundo grau, não ouvia nada ou quase nada, mas era uma excelente companheira, talvez por ser surda.
Quando a filha casou e foi viver para Lisboa, tinha muitas vezes como convidado o senhor Cassiano que todos os dias tentava descaminhar-me para a Feira Popular, pelava-se por um bom frango corado!
Foi um senhor curiosíssimo, nas qualidades e nos defeitos!

Reis Caçote


2 - O SENHOR JOSÉ MARIA PATRICIO

Cunhado do primeiro, como já disse e por afinidade também, casou com a outra irmã, a Dona Mariquinhas, ambas primas direitas da minha mãe, mas que eu, desde que me lembro, terei decidido tratar por “Tia do Álvaro” e que foi simpaticamente aceite pelos mais velhos; o motivo deve ter sido porque toda a gente tratava a minha única irmã, a Maria Juliana, por Mariquinhas e devo ter resolvido tratar a outra por Tia do Álvaro, que era o filho mais velho do casal, Patrício e Mariquinhas.
Tinham um outro filho, o Reinaldo, que ainda me recordo dele a descer os degraus da escola, na correria como os outros, empurra daqui e de acolá, se estatelar no chão e ficar com um joelho bem mal tratado; este primo terá sido o primeiro a licenciar-se, em direito, já depois de casado e a trabalhar numa dependência bancária, aquilo a que chamam hoje balcão.
Estes dois primos eram uns moços excelentes; nas férias deles, proporcionavam-me uns bons lanches, pois não faltava lá em casa o bom presunto, chouriça e o bom queijo. O queijo do senhor Patrício era o melhor da aldeia e o que maior produção tinha.
O Reinaldo foi quem leu a mensagem de boas vindas ao senhor Bispo da Guarda quando pela primeira vez e última até agora, um prelado nos visitava! E só não terá lido a de agradecimento, se estivesse prevista, porque o senhor Bispo se portou de forma que o povo achou pouco digna e, indignado, o correu à pedrada pela cascalheira abaixo em direcção a Almendra, no jeep da Guarda Republicana em que tinha chegado.
Voltando ao senhor Patrício, meu primo por afinidade. Era um gestor nato, um pouco de capataz das suas terras e dos contratados.
Atrevo-me no termo de capataz por ser ríspido na exigência do trabalho agrícola, algumas vezes mais para ser respeitado do que por ser o mais sabedor. A frase por ele usada e que melhor fixei, de desaprovação e admoestação aos assalariados, era “mas que grande canudo” e não á além disto.
Não era de Castelo Melhor e sim de Algodres, aldeia que fica entre Almendra e Figueira de Castelo Rodrigo, sendo certo que havia uma família de apelido Patrício, mas ele não fazia parte dela.
Gostava, quando os filhos iam de férias a Castelo Melhor, de fazer quase campeonatos de aritmética entre nós, que eu ganhava sempre; as contas deles eram já outras, bem mais complexas, como mais tarde uns anos eu constatei, mas ou por desconhecimento do senhor Patrício ou não sei por que outro motivo, ele gostava de os pôr à prova.
O Reinaldo, como já ficou dito atrás, licenciou-se em direito e nunca mais vi e o Álvaro, sendo um retratista exímio, ficou-se pelo Magistério e acabou por dar aulas em Castelo Melhor. Recordo a última vez que o vi, estava eu doente com uma daquelas epidemias de gripe, penso que lhe chamaram asiática, em casa do Licínio.

Reis Caçote



3 - O SENHOR ALEIXO

Reformado dos Caminhos de Ferro de Benguela, apareceu em Castelo Melhor muito próximo do meu nascimento ou início da década de quarenta.
Tinha três filhos, dois rapazes e uma rapariga, o mais novo, Fernando Jorge Aleixo, foi meu colega de escola, talvez dois anos mais velho. Ainda hoje não percebo o motivo de ter sido transformado numa vítima indefesa de Teófilo e dois outros, ambos de nome Aníbal!
Terá sido uma das turmas mais difíceis que a Dona Maria da Graça terá ensinado.
Era o segundo proprietário de um rádio, onde os rapazes da escola iam ouvir as solenidades do treze de Maio, em Fátima e era o único que recebia um dos jornais do Porto todas as semanas.
Nunca soube a que família pertencia, ele ou a esposa, mas para este efeito, ou outro, parece-me não ser importante.
Ali viveram pelo menos até eu ter deixado a aldeia para ir para a capital e quando voltei a família estava já desarticulada, todos os filhos tinham já partido, tal como eu o fiz. O mais velho não o conheci!
O senhor Aleixo e um conterrâneo de nome Ari, que esteve emigrado no Brasil, faziam, sobretudo à noite e no Verão, ocupação dos tempos livres dos garotos, entre eles eu, o senhor Aleixo inventando uma mentira que fosse bem exagerada relacionada com animais ou seres só imaginados dos seus saberes de Africa! Os miúdos iam a correr até casa do ti Ari e davam nota do que o senhor Aleixo tinha contado; este inventava uma ainda mais extraordinária existente ou ocorrida no Brasil e lá ia o pequeno grupo a levar a nova do Brasil! Um exemplo para percebermos melhor:
O senhor Aleixo viu em Angola um elefante tão grande que dava traques que se ouviam no Brasil, o ti Ari respondia que tinha visto uma jibóia que atravessou o atlântico e quando a cabeça desembarcava em Lisboa ainda o rabo da cobra vinha a sair da Amazónia! Eram assim algumas noites dos miúdos em férias!

Reis Caçote,



4 - O SENHOR AFONSINHO

Morava próximo da igreja, a meio caminho entre este lugar de culto e a escola dos rapazes, num casarão enorme e um terreno, em forma de triangulo, sendo a base a parede da casa e o vértice junto ao ribeiro, com uma romãzeira a enfeitar e em cujo tronco, acorrentado, um enorme Serra da Estrela, atacado de raiva (hidrofobia), sofreu durante vários dias, até ser abatido.
Era o único tuberculoso conhecido da aldeia, já em fase de cura, não fosse a penicilina ter aparecido recentemente, quase com a II Guerra Mundial.
Era também um pequeno ditador, fazedor das suas próprias leis para aos outros serem aplicadas. Da parede do muro que ficava em frente à escola, além da citada romãzeira, havia também uma “abebereira” e uma figueira de figos brancos, esta com os ramos pendendo do muro. Uma macieira que ainda não tinha crescido o suficiente para espreitar por cima do muro e mostrar os frutos na altura deles, apenas duas vergônteas mais novas, a medo, começavam a espreitar.
O decreto para punir o furto dos frutos, transformado em multa, de cinquenta escudos por cada romã e de vinte por cada figo ou abebera.
Não me recordo, ou talvez nem saiba, como eram as leis afonsinas antes de eu entrar para a escola, mas durante o meu tempo, sobretudo na parte final  da “formatura” da quarta classe, foi um permanente conflito, não com os figos, o que não faltavam eram figueiras e não eram disputados os figos pelos donos das figueiras, sobretudo os lampos, aqueles que amadurecem por volta do São João, mas as romãs, por haver poucas e quando maduras mostravam aquela boca vermelha em toda a sua beleza, provocadora, irresistível! E além disso estavam ali mesmo à mão de semear, ou doutra forma, à mão de roubar! Eram uma tentação, não pela qualidade, eram acres até às lágrimas, mas por sempre imaginar como um riso de provocação e de desafio ao decreto!
Quando estavam ali baixinhas não era precisa grande técnica para as roubar, mas as outras, as mais altas e quase sempre as que primeiro amadureciam, tinha de ser adoptado o método do calhau, atirado de forma que a romã fosse cair fora do muro, o que nem sempre sucedia.
Isto era feito sobretudo à noite. E mal uma vinha parar fora do muro, a matula a tomava de assalto e corria para os palheiros, a seguir ao lagar, e ali partilhada, acompanhada com gargalhadas de gáudio por mais uma violação impune da lei afonsina.
Uma noite, no regresso da partilha, vi sentado no pequeno muro que definia o largo da escola e definia o caminho calcetado entre ele e o muro da propriedade do senhor Afonsinho, um senhor que, devido à pouca luz e distracção, me pareceu o senhor Júlio, da estação lá bem longe junto ao Douro, o que achei muito estranho o homem estar ali àquela hora!
Estava acompanhado de três miúdos que não tomaram parte no assalto e por isso também não foram parte na partilha.
Uns metros andados na direcção do grupo, reconhecemos o senhor Afonsinho, dono das romãs, que nos esperava. O grito de alarme soou na noite: “ é o senhor Afonso!” e logo o pequeno grupo dispersou, cada um fugindo para seu lado! Ao dobrar a esquina da casa do Ti Charneca um calhau enorme se desfez contra a parede! O tamanho do calhau eu não vi, a avaliação do tamanho foi pelo estardalhaço que fez ao embater na parede! Se me tivesse acertado deixava marcas pela certa. Não acertou, mas a espera da reacção do senhor Afonsinho foram suficientes para que as incursões nocturnas à fruta do vizinho, terminassem.
A Lei afonsina foi posta em causa, essa era a finalidade da minha provocação!

Reis Caçote



5 - O SENHOR EUGÉNIO

Morava no final da aldeia, na rua onde, quase em frente, veio a ser construída a escola das raparigas, por doação feita à Junta de Freguesia pela senhora Dona Maria, esposa do senhor Aníbal Soares, de quem falaremos, se não ficar esquecido.
Com o senhor Eugénio morava a esposa e de tempos- a-tempos aparecia o filho, o Miguelzinho, só por ironia, pois devia ser o homem mais alto da aldeia. Devia sofrer de uma adiantada miopia, usando óculos de grossas lentes, pouco comuns pelo burgo! Talvez devido a esse problema da visão ou outro qualquer de ordem física, o certo é que a locomoção era ainda mais bizarra e sempre chamava a atenção, pela forma “marcial” da sua marcha, levantando o joelho até a coxa fazer uma perpendicular com o tronco ou uma paralela com o chão! Nunca alguém terá sabido ao certo o porquê daquela forma de andar, sendo a mais lógica o estado das ruas e o natural receio de tropeçar nalgum calhau solto ou ainda solidário com o maciço de xisto onde vivera! Agora posso comparar a marcha do Miguelzinho com a dos militares de elite em desfile de exibição! Só agora posso comparar porque lá para aqueles lados não havia militares e muito menos de elite.
Como disse antes o Miguelzinho só aparecia de tempos -a -tempos e nunca me dei ao trabalho de perguntar a algum dos meus irmãos se sabiam o que estranho conterrâneo fazia e onde! O conheci assim e é assim, misterioso, que dela quero “falar”! Nunca o ouvi articular uma palavra, mas também nunca ouvi que fosse mudo! Parecia viver com o corpo onde estava e o Eu dele lá longe e alto, dada a postura da cabeça ao andar.
Mas o protagonista é o Pai e a Mãe, com um papel definido, mas não o Filho, apenas figurante!
O senhor Eugénio, além da idade avançada ou por causa dela, padecia de alguns achaques e doenças que os Ti’s e Ti’as não sofrem e se delas sofriam as bem caladas, porque o médico, de certeza bom profissional, não assistia todos por igual.
A certa altura, no Verão, o senhor Eugénio teve uma das suas maleitas, mais complicada que das vezes anteriores e que parecia que seria a última, tal seria a gravidade.
O doutor Caldeira, médico assistente de toda a gente, mas mais assistente aos que pagavam do que aos que por avença assistia, viu o estado do doente que deve ter achado que era um mau estado, não como agora e de há una anos para cá, sobretudo por Lisboa, que uns senhores com ar bem saudável, falam alto a exigir menos estado, melhor estado, um contra senso por alguns deles, não há muitos anos, eram “A bem da Nação”! Como o mau estado do senhor Eugénio ter coincidido com o seu plano de férias no Porto, onde o filho estudava e onde mais tarde se formaria em medicina. Por vezes me surge a dúvida se o futuro doutor se acabaria por formar em Coimbra ou até em Lisboa, mas logo desisti! Porque a dúvida me agrada mais e o que está em questão são o agravamento da doença do senhor Eugénio e a ausência do único médico.
Segundo as previsões do doutor Caldeira, face ao estado geral do doente, este devia entregar a alma ao Criador dentro de poucos dias, durante o período da sua ausência.
Para não causar transtornos à família, neste caso à esposa do quase moribundo e o seu programa de férias se manter, combinou com a futura cabeça de casal, deixar uma certidão de óbito preenchida e assinada, apenas sem data e hora do passamento, que seria depois acrescentado por ela ou alguém, com o que concordou a esposa e muito agradeceu ao doutor Caldeira pela ideia brilhante, o brilho é da minha responsabilidade.
O doutor lá foi fazer a sua viagem de férias, se fosse hoje tinha ido a um Congresso, e não mais pensou no doente de Castelo Melhor às portas não do castelo, mas às da morte.
Só que o diabo, com o seu conhecido mau feitio e propenso a fazer travessuras só para chatear, decide trocar as voltas aos envolvidos na doença do senhor Eugénio; pregar uma partida aos vivos porque aos mortos não deve ter piada para os vivos e os internos do inferno não acharem graça a nada! E, zás, deve ter combinado com a sua colaboradora e companheira de todas as horas, mortas ou vivas, pois se há horas mortas é porque antes eram vivas, a dama de preto, para que adiasse sine die a ida a casa do candidato de Castelo Melhor, proposta que à dama agradou e não guardou segredo, confessando que gostava pouco de ir a esta aldeia por causa dos caminhos ou falta deles.
E como esta dualidade de decisões alterou tudo, até a paciência do senhor Eugénio, farto de esperar pela chegada da última mensageira e, porque se sentia melhor, há que sair da cama, meio combalido, apoiando-se na cómoda do lado direito da cama; achou estranho estar um papel sobre o móvel onde ainda se apoiava! Pegos nos óculos, iguaria que só a alguns olhos era servida, colocou-os e a estranheza inicial transformou-se em espanto e revolta quando concluiu que papel se tratava.
A primeira reacção foi rasgar a folha, mas ainda bem que o não fez, era a sua morte oficial que ele rasgava e atirava para a lareira e dava como terminada a beleza que se seguiria!
- Ai o grande sacana do doutor Caldeira, tão amigo da família e mal me distrai-o, passa-me a guia de marcha, sem hora e dia, antes de acabar a sua obrigação! Furioso, o senhor Eugénio.
E, sem perda de tempo, com as poucas forças que lhe restavam, mas bem mais do que as esperadas pelo doutor Caldeira, preparou o jumento, a custo o albardou, era a raiva a aumentar as forças, tudo sob o olhar atónito da esposa, que lhe perguntou onde ia e o ia fazer e o lembrava que ainda não estava bem! E do lombo do asno, agitando um papel, ia gritando para a companheira de todos os tempos:
- Tu és tal como ele, queres é ver-me pelas, mas ainda não foi desta! E dava ânimo ao burro.
Foi então que a senhora, companheira fiel e amiga de tantos anos do esposo revoltoso, aos gritos para o animal “ arre burro, arre burro” e os calcanhares a bater na barriga para o espevitar, ladeira abaixo, se lembrou que o papel, que o esposo agitava como espada, era nem mais nem menos que a certidão de óbito deixada pelo doutor, para alguma emergência, antes de partir para a sua viagem!
- O que irá fazer aquele homem, ainda ontem quase morto!? Que vergonha se ele vai para Almendra ajustar contas com o doutor! Isto só pode ser obra do mafarrico, que Deus me perdoe! Pode ser que o doutor ainda esteja em viagem e se não encontrem!
Qual não encontram, qual quê! Então a partida dos dois, diabo e morte, não tinha sido bem planeada?! O resultado era mais que certo! Ambos se queriam vingar, à sua maneira, do doutor Caldeira que, algumas vezes, não muitas, lhes tinha roubado, no seu posto de trabalho, algumas mortes que tinha já como certas! E sem se aperceber, o doutor, estava a pôr em perigo os seus postos de trabalho, como se trabalhassem à peça!
E, invisíveis como sempre, mesmo que alguns digam que já viram a” morte à frente dos olhos” e outros que já tinham “encontrado o mafarrico em bode velho transformado” não passa de conversa de chico esperto e vaidoso para se dar ares de valente que nada teme, eles invisíveis continuavam, atrás do senhor Eugénio, eles a pé e o da frente a cavalo, ou para maior rigor, a burro montado.
Falando entre eles, em voz baixa de forma que o furioso Eugénio não ouvisse, ouvindo eles bem o que o cavaleiro, ou burreiro, ia dizendo: “Oh, excomungado homem! E tanta consideração que eu tinha por ele e a fazer-me uma destas! E o dinheirão que já lhe dei a ganhar e ele a entregar-me, antes do tempo, à morte! Ele não sabe com quem se meteu, ah não sabe não! Ele vai ver com que diabo se meteu!”
O mencionado e a morte, que vinham já a quase não evitar a risada, ao ouvirem isto da boca do homem que eles salvaram, não conseguiram evitar a gargalhada, que aos ouvidos do senhor Eugénio pareceu um trovão! Mas como não podia ser trovão, o tempo estava bonito e sem uma nuvem, olhou para trás e nada viu, naturalmente! “Devo estar com alucinações devido à raiva”, pensou.
O diabo, sempre desconfiado mas cauteloso, deu por si a pensar alto: “será que ele é pior do que eu?” E a morte respondia, com algum cuidado, “eu tenho andado desconfiada de que tens sido brando demais e há já por aí gente bem pior do que tu e eu, só não fazendo tudo “melhor” que nós por falta de prática e ainda não aprenderam a tornar-se invisíveis! Onde já iam os nossos empregos de tantos anos! Aliás, eu, dizia a morte, ando já cansada desta vida… “ah, ah, ah, gargalhou o diabo, a morte a queixar-se da vida, ah, ah, ah”…verdade, se não fosse gostar tanto do que faço já tinha pedido a reforma! O diabo, sempre adiantou: “eu ando cá há muitos mais anos e nem sequer penso na reforma, ainda hei-de levar muitas almas para o meu mundo ou como os vivos dizem, para o inferno!”
E lá seguiram até Almendra, asno alombando com o Eugénio, à frente. Ao chegarem o asno ficou aliviado da fúria do seu dono e que já o estava a enfurecer de tanto protesto ouvir e muito admirado da agilidade do dono ao descer, dinâmica que até ele, Eugénio, deixou espantado!
Em passadas largas dirigiu-se à porta do casarão do doutor, notando e agradecendo a frescura do hall comparado com o calor da rua onde o Sol parecia querer estorricar tudo!
Com gesto decidido empurrou a porta do consultório que estava entreaberta e ficou parado à entrada, no contra luz da porta, a tentar ver qual seria a cara do doutor quando o visse.
Sem levantar a cabeça da leitura que fazia, o doutor disse: “entra, entra” e como ninguém entrava lá olhou, mas no início não reconheceu o visitante devido a estar no contra luz e a morte e o diabo que estavam cada um de seu lado, mas na sua maravilhosa camuflagem de invisíveis.
- Não me reconhece, doutor Caldeira?! Gritou o senhor Eugénio!
É então que o doutor, ao reconhecer aquela voz, se lembrou da morte do senhor Eugénio, “alma” que agora o vinha atormentar, só podia ser, pensava o doutor, ao mesmo tempo que se punha em e se benzia!
Foi tal o espanto- e o medo, pois então, que o doutor entrou em colapso e tombou sobre o tampo da secretária, a respirar agonicamente e a dizer coisa sem nexo, imperceptíveis, como se a vida estivesse a despedir-se!
O senhor Eugénio ao ver o estado do doutor e pensando que ele, sim, ia desta para melhor, como é hábito dizer-se, atirou-lhe com a sua certidão de óbito, sem hora e data, para cima e, apressadamente saiu e, soltando o burro, levou-o pela rédea até ao murete onde montou e partiu pelo mesmo caminho em direcção a casa.
O diabo e a morte, que não tinham previsto nada daquilo e fazendo questão de ser rigorosos na sua profissão, enquanto a morte abanava o doutor e com a certidão de óbito do senhor Eugénio a servir de leque, o diabo espargia-lhe o rosto sem cor com salpicos de água, molhando os dedos no copo que o doutor tinha sobre a mesa, como se fosse o padre a ministrar-lhe a extrema-unção”
Sentiram-se muito mal naquele inesperado papel, ambos a tentar salvar o doutor, o que revelava uma inconcebível falta de ética profissional, mas logo se escapuliram quando o doutor Caldeira pareceu ressuscitar e aos poucos voltou à vida, de nada se recordando.
O doutor Caldeira morreu muito depois do senhor Eugénio, mas este nunca mais o quis como assistente.
O que fica por saber, porque nada foi dito, é se terá passado nova certidão ou se aquela que até a morte usou como meio de salvação, ainda serviu para legalizar, desta vez sim, o óbito do senhor Eugénio.

Reis Caçote



6 - SENHOR ABEL

A sua morada distava daquela em que nasci cerca de cinquenta metros; era uma casa grande, com entrada por duas ruas perpendiculares e era uma das três mais bonitas da aldeia, com seu beiral em madeira trabalhada.
Vivia com a esposa e uma sobrinha. O casal era já de avançada idade e a sobrinha, aparentando não mais de tinta anos, sofria de epilepsia. Não eram muito frequentes os ataques e como saía pouco não me recorda de alguma vez ter assistido a um único.
A esposa, tudo leva a crer, sofria de crónica “preguicite” e teria como objectivo de vida, por razões que só ela ou nem mesmo ela saberia explicar, negra fazer a vida ao seu marido, o senhor Abel.
Esta família, como outras, nunca cheguei a perceber como viviam e como ascenderam à categoria social do diferente tratamento de Senhor e Senhora! Tinham umas territas que não cuidavam nem amanhavam, como uma boa parte dos proprietários, limitando-se a arrendar os solos para serem semeadas, limpas e tratadas e às rendas se juntavam a recolha dos frutos, azeitona ou amêndoa.
É que para limpar os terrenos, ou seja, roçar os cardos, silvas, giestas podia ser feita pelos proprietários se trabalhar não fosse cansativo, mais-a-mais naquelas ladeiras onde o calor ou o frio só por si cansavam os que a esses exageros não estivessem habituados; ou seja, eram feitos por força braçal, mas lavrar eram os animais de trabalho o elemento de trabalho, apenas atirar com as sementes à terra era feita de saca ao ombro e mão treinada.
Mas para que se não fique com uma ideia de só parasitas é sério que se acrescente que a maioria dos habitantes terras não tinha, fábricas não havia para ganharem o seu sustento e das famílias, quase todas numerosas, só tinham uma alternativa, ou melhor, duas, mas não mais: ou sobreviviam a trabalhar à jorna a apanhar as amêndoas e as azeitonas, vindimar não porque as vinhas eram pequenas e ocupavam pouca gente e durante pouco tempo ou então comprarem animais de trabalho para poderem apresentar-se ao arrendamento das terras dos donos delas.
Havia barbeiros, ferreiros, ferradores, albardeiros penso que não, era mão-de-obra que vinha de fora, mas mesmo estes tinham que arranjar a sua pequena ou maior horta, não conforme a família, mas conforme o que houvesse disponível, porque uma horta precisa de água e este era um produto que não abundava, a que não corria para os ribeiros evaporava-se, nas ladeira não ficava, logo hortas nas ladeiras não havia.
Só para ficar uma ideia comparativa entre a que conhecia bem e outra que pensava não existir, a primeira vez que fiz o percurso de automóvel da aldeia para Lisboa e vi repolhos já prontos a serem apanhados nas terras de Alcobaça, o meu espanto foi tal que tive logo que procurar explicação. Era o solo e a água os dois elementos que para os meus lados não havia.
Mas vamos voltar ao senhor Abel, mesmo sabendo que ninguém fica a saber como viviam as pessoas que não trabalhavam como ele; eu fiquei pela fórmula mais aligeirada de resposta: não viviam, sobreviviam e penso que era a realidade naquela época, vivia-se com quase nada.
O senhor Abel não trabalhava as suas terras, logo não precisava ter animais para as amanhar. Mas precisava, como do pão-para-a-boca, de um meio de transporte para se deslocar à horta ou a Almendra ou outro lado qualquer, mas a partir de certa altura para transportar a esposa a partir do momento em que a sua “doença” se agravou.
Comprou uma jumenta para aquelas deslocações durante a semana e para ao domingo levar a esposa ir à igreja assistir em directo à celebração da Eucaristia!
O senhor Abel aparelhava a burra, de albarda e cadeirinha, a cabeçada estava sempre ou quase sempre colocada, para a senhora ir sentada até à igreja, onde era ajudada a descer da asna e amparada até à sua cadeira privada, onde outras cadeiras, de outras senhoras estavam colocadas, entre os bancos corridos dos sem cadeira e mais próximo do altar, ficando entre os altares do Apóstolo São Miguel subjugando o Lucifer, num gesto demasiado teatralizado e pouco angélico para meu entendimento, mas já assim o encontrei e dele gostei, não pelo ar de vencedor que ostentava, mas por meu Pai se chamar Miguel e ter uma espada que herdou da sua passagem de curta duração pela Guarda Nacional Republicana, mas esta tem seu lugar próprio de recriação. À esquerda das cadeiras era o altar de Nossa Senhora do Rosário a quem o povo adorava e pedia bênçãos. Mesmo junto ao patim do altar começavam os seis ou oito degraus de acesso ao púlpito, só usado em celebrações específicas.
A espantosa mudança, a que poderíamos chamar de milagre se não fosse tão radical, deu-se imediatamente a seguir ao passamento do senhor Abel.
A doente e quase inválida senhora, de um dia para o mesmo dia, não de um dia para o outro, ficou tão remoçada e reabilitada que nunca mais precisou da jumenta para se deslocar, quer à horta, quer à missa ao domingo, locomovendo-se com um desembaraço que fez inveja a muita gente.
E o povo comentava, com algum sarcasmo e imensa sabedoria, que o seu mal era o senhor seu marido, o senhor Abel e nada tinha a ver com milagres!

Reis Caçote 



7 - O SENHOR JOSÉ PALA

Tinha a sua residência, edifício de traça antiga, entalada entre a da Dona Graça, professora dos rapazes e a do Ti João Patrício, ferrador e proprietário. Formavam, as duas, do senhor Pala e ti João Patrício, a base de um triângulo, ou melhor dizendo, um dos catetos e a igreja o outro, do triângulo rectângulo que era o largo da igreja.
Era o delegado do Registo Civil e foi ele que interveio na situação criada e ainda existente, para meu gáudio, à volta do meu registo de nascimento.
Pouco mais sei do senhor Pala, talvez por trabalhar em Vila Nova de Foz Côa e chegar lá partindo de Castelo Melhor, era deveras moroso, cansativo e quase impossível em certos dias de temporal! A dificuldade não se colocava apenas ao senhor Pala, mas a todo aquele que para lá se deslocasse ou no sentido inverso.
Havia naquele tempo três formas de lá chegar ou de lá vir, mas todas elas tinham um grande e acidentado percurso a fazer a pé.
Um deles, o mais utilizado, era a pé; subia-se até ao alto de Santa Bárbara, virava-se à esquerda para o Orgal, único lugar da freguesia de Castelo Melhor, descia-se até à foz do rio Côa, onde se juntavam e as águas do Côa, sem aparato algum, se misturavam com as do Douro e a partir dali eram apenas deste as misturadas águas do Côa e não se pense em colonização ou monopólio das águas, porque a todos, maiores ou mais pequenos, que o Douro foi absorvendo, ribeiras incluídas, a montante ou a jusante sucedeu o mesmo e alguém decidiu chamar a estes afluentes, mas também deviam chamar-se influentes, pois se não fosse a influência destes nunca o Douro, que amo como liquido irmão, teria o prestigio que hoje tem. Retomando: chegados à Foz, para atravessar o Côa da margem direita para a outra margem, ou seja para a direita, ou usava o barco, chamando pelo barqueiro – oh, barqueiro!- quando o barqueiro não estava junto ao barco e lá vinha ele do outro lado do rio, entrava no barco e agarrado a uma corda que atravessava o rio e bem atada dum lado e doutro, à força de braço atravessava e ajudava a embarcar as pessoas e animais se algum levavam, fazendo nova travessia onde ajudava a desembarcar! Por vezes era uma carga de trabalhos fazer entrar um burro no barco e talvez por isso apareceu aquele ditado: “se queres que o burro entre no barco, puxa-lhe pelo rabo”! Das poucas vezes que fui a Foz Côa só uma levámos o burro e foi o fim da macacada para ele embarcar! Levou mais tempo a convencê-lo que a fazer a travessia. Para pessoas sem animais e sem problemas de vertigens, podiam atravessar usando a ponte do comboio, mas tinham que pagar ao barqueiro metade do preço pago se no barco atravessassem. Eram frequentes os protestos por acharem injusto pagarem a quem nada fez e alguns terão passado sem pagar. Depois de atravessado o Côa era preparar as pernas, o coração e os pulmões, para subir a ladeira até quase à entrada da Vila. Duas horas era em média o que demorava.
Outra modalidade era usando o comboio. Agora sim, que maravilha, de bota-fogo, bota-fogo deve ser um descanso, pensarão alguns! Desiludam-se! Tinha que subir até ao alto da Santa das trovoadas e em vez de virar à esquerda como na modalidade anterior, seguia-se em frente e mal se passava num dos topos do campo de futebol, chamado assim porque d vez em quando meia dúzia de ”maduros ” se juntavam e iam para ali dar pontapés numa bola ou nas pedras que sempre sobraram a espreitar, logo começava a descida pela ladeira, bem acentuada, por onde se chegava à estação dos comboios. Se levavam animal tinha um percurso de curvas e contra curvas, quem em novo devia ser uma novidade, como tudo o que novo é, o pavimento coberto com seixos retirados de um filão que vem dos lados da Mêda, atravessa o Côa, ao lado das fragas onde os velhos antepassados que se devem ter perdido por aqueles sítios, há mais de trinta mil anos, sem terem muito que fazer, desataram a riscar nas faces planas que nos xistos aparecem com alguma frequência quando uma fraga maior se separa, e que na altura não deviam ligar muito menos fazer concursos ou campeonatos para ver quem desenhava melhor alguns dos animais selvagens que por ali andariam perdidos, como eles. O filão continua, assim como que para marcar uma fronteira branca e dura no  maciço de xisto sem cor muito definida entre o cinza e o castanho, por vezes azulado, uma misturada sem jeito algum, mas é o que é e agora nada a fazer. Tem muita utilidade, mas não vou aqui ficar a patinar na narrativa! O filão, não sei explicar porquê, trazia agarrado ou formava bolsas, um outro mineral muito mais denso, o mesmo que mais pesado, e que alguém descobriu que podia ter boas aplicações, inclusive na industria dos explosivos e onde eu e outros dois garotos, quando a Coreia “declarou guerra à América” não sei porque carga de água, mas por disputa de fronteiras não foi porque estive a ver no mapa mundo e até ficam em Continentes diferentes e depois me esclareceram que não foi a Coreia a declarar, mas isto foi por volta de mil novecentos e cinquenta, dizia que eu e outros dois garotos, um deles tinha feito em Foz Côa o exame da quarta classe e ainda o filho do senhor Júlio da Estação, andámos ao rebusco do tal minério, chamado xelite, e que era depois vendido a gente de fora que a Castelo Melhor ia comprar. Parece que ainda rendeu uns cobres e eu estive ocupado com os dois colegas a aprender a governar a vida, á custa da guerra! Dizia-se que na outra guerra anterior, a Segunda Mundial, o valor do minério era muito maior, mas também a guerra foi outra bem diferente! Nunca soube se foi muito ou pouco o que foi vendido, os miúdos não tinham a ver com dinheiros e nunca vi nenhum!
O filão passa um pouco ao lado da freguesia, sobe até ao alto de Santa Bárbara, desce até ao Douro, atravessa por baixo de água e vê-se ele a subir ladeira acima da margem direita do rio. Só pode ter sido deste filão que há sei lá quantos anos, alguém atapetou de seixos a parte superior do caminho desenhado, parecido com as estradas romanas, mas na época que eu conheci, os calhaus de seixo, com a fúria das águas se foram separando e rolando ladeira abaixo, mais parecendo agora uma pista daquela modalidade dos ciclistas-equilibristas que sobem e descem por cima de toda a folha. Intransitável ou quase. Chegados à estação com as pernas doridas daquele trajecto, entra-se no comboio e andam-se uns poucos minutos de bota-fogo e estacionamos depois da tal ponte antes citada. E de seguida é a tal ladeira, a pé, porque quem vai de comboio não pode levar um animal como bagagem, até Foz Côa. O tempo é o mesmo.
A hipótese que devia ser a mais cómoda por entrarem já as novas tecnologias ao serviço dos transportes, o automóvel, era ir até perto de Pinhel, onde havia, não sei se boa ou má, se segura ou a cair aos bocados, nova não era de certeza, porque novo-novo só o Estado era, a única ponte para atravessar o Côa, que ali devia ser quase só um ribeiro. Mas não era usada pelas gentes de Castelo Melhor, por que: tinha que ir a pé, de bota cardada ou rasto de pneu, até Almendra, caminho que conhecia bem desde muito novo porque todas as semanas ali ia com a tia Amélia, minha mãe, levantar sete quilos de farinha para fazer o pão da família. Era o tempo do racionamento aplicado num País neutral. São cerca de cinco quilómetros, talvez nem tanto, mas o caminho quase só para cabras, porque estas só gostam de andar por maus caminhos, nunca percebi porquê. Também se podia ir a cavalo, não de cavalo porque era animal raro naquela região, mas sim de burro ou macho. Alugava-se o automóvel e o dono do dito, que não soube nunca quem era ou até se existia, conduziria a novidade por “estrada” de terra mal batida, passando por Figueira de Castelo Rodrigo e durante não sei quantos quilómetros se chegava à tal ponte e voltar pela margem esquerda, passando não sei por quantas localidades até Foz Côa. Tempo de duração do percurso, as mesmas duas horas, ou até mais!
E à boleia do quase desconhecimento do senhor Pala e de ele estar quase sempre em Foz Côa, ficámos a saber, não muito seguramente, o quanto era fácil chegar à sede do concelho. Agora, dez minutos bastam para fazer o percurso de automóvel.
Ao senhor José Pala devo, sem que ele alguma vez o soubesse, e agradeço o ter-me proporcionado, com aquele acerto de datas, acordado com meus pais para não pagarem a multa por falha de registo no prazo de trinta dias, tantos momentos de boa disposição e aproveitamento” literário”.
E falta ainda chegar o momento, mas o vou vivendo com boa disposição agora, que será o do passamento, pois morrerei sempre dois dias mais cedo.
Onde quer que vos encontreis, no céu se para lá foi sua alma, o meu agradecimento, senhor José Pala.

Reis Caçote



8 - O SENHOR POINHOS

Tinha a sua residência na Rua do Abixeiro, logo a seguir ao Largo da Igreja, do lado esquerdo de quem sobe em direcção ao Castelo.
Tinha uma propriedade rústica, com algumas árvores de fruto, oliveiras e uma pequena horta, nas traseiras da casa onde nasci, confinando ainda com a minha única irmã, do ti Zé do Orgal, a marcenaria do ti Américo Ferreiro e a forja do ti Antoninho Ferreiro; a nascente com o muro alto dos logradouros da casa grande de meu padrinho e as traseiras de outras casas; a norte confinava com a “calçada” sem nome, talvez por ser um espaço entre duas propriedades rústicas, a do senhor Poínhos e outra de não recordo quem, não havendo casas portanto e a poente confinava com o ribeiro, canal feito para canalizar as águas pluviais e não só, na altura a céu aberto e agora tapado e por onde passam os esgotos, luxo que a democracia trouxe e que na época nem imaginado.
A entrada para a propriedade do senhor Poinhos era pela tal Calçada a norte, ou seja, pela confinante mais distante da casa onde o proprietário morava.
Já eu estava em Lisboa há alguns anos quando, numas férias que passei em Castelo Melhor, a tia Amélia, minha Mãe, me contou o litigio entre ela e o senhor Poínhos, relacionada com as estremas das propriedades.
Entre a parede do lado nascente da casa da Mariquinhas, minha única irmã, nome adoptado pela família e pela aldeia, já que o nome verdadeiro é Maria Juliana, de que parecia não gostar muito, e o muro dos logradouros do meu padrinho, havia um espaço que à frente teria uns dois metros e ao fundo não seria mais de um metro e dez centímetros. Teve sempre, a meia distância entre a frente da casa e a propriedade do senhor Poinhos, um muro a atravessar, onde muitas vezes se guardava lenha e faziam alguns despejos de restos de resíduos sólidos. Era um muro tosco de construção, feito com enormes pedras feita não sei com que intenção.
O senhor Poinhos, certamente cansado de ter que ir dar a volta para entrar no seu terreno, a idade já aconselhava menos esforço e dava pouca confiança para chegar ao terreno por uns degraus feitos no paredão do ribeiro, era perigoso e no Inverno era mesmo inviável quando o ribeiro levava água a boa velocidade por ser em declive, achou que, sem dar explicações, podia passar a usar aquele espaço para aceder à sua propriedade. E era bem pensada a solução.
A ideia tinha o seu jeito e até aplicação fácil, não fosse a ambição desmedida que revelou, isto por um lado e pelo outro a forma silenciosa com que queria realizar o seu objectivo, não dando cavaco aos outros confinantes porventura interessados.
Procedeu à remoção dos tais resíduos, sem qualquer oposição e a um pedreiro mandou fazer por ali uma entrada mesmo à frente, na continuação da parede frontal da casa da minha irmã e encostada a meio da parede da loja ou estábulo do burro da ti Ana “Morra”( entre aspas por não saber se era apelido ou alcunha, como o Grainha da minha mãe).
Com alguma delicadeza e muita firmeza a tia Amélia, minha mãe, disse ao pedreiro e ao adjudicador da obra, o senhor Poinhos, que não fizessem tal obra naquele sitio, pois ela a deitaria abaixo.
Não ligaram, o pedreiro porque cumpria uma ordem e o senhor Poinhos, displicente, voltou-lhe as costas, revelando ambos conhecer mal a autora da ameaça.
No dia seguinte de manhã, quando o pedreiro chegou para continuar viu que teria que recomeçar e não continuar. Se fosse hoje, pegaria no telemóvel que tinha no bolso de fora do casaco e ligaria ao seu patrão, senhor Poinhos; como ainda não telemóvel, nem água canalizada, nem telefone fixo, nem electricidade, foi a pé dar noticia ao dono da obra.
- Bom dia senhor Poinhos (de chapéu na mão), a tia Amélia cumpriu a promessa (este foi o erro, acharam que era promessa e ameaça não) e está tudo no chão!
- Não faz mal, recomeça que ela não é mais teimosa que eu, ordena o senhor Poinhos.
- Ombros encolhidos e chapéu na cabeça o pedreiro lá voltou.
A tia Amélia repetiu a ameaça e o pedreiro, agora só, porque o dono da obra o não acompanhara, recomeçara a construção, contrariado, mas a cumprir o contratado com o senhor Poinhos, voltou a construir a parede e respectivo portal e em cima da obra, como se fosse uma trincheira, colocou um molho de silvas, gesto mais idiota é difícil imaginar! Como se a tia Amélia nunca tivesse visto silvas e as temesse!
Tudo no chão, mal o pedreiro acabou de enfeitar a obra!
Aquilo estava já a parecer-se com a lenda da capela do Anjo, sendo neste caso o anjo a tia Amélia que para anjo não tinha jeitinho algum. Para os que não conheçam a lenda e fiquem a pensar por que carga de água aparece a lenda da capela misturada com o portal que o senhor Poinhos queria ver construído e a tia Amélia teimava em não deixar, com a capela o imbróglio foi igual: os homens de então queriam construir a capela dezenas de metros antes da ponta do rochedo; então eles construíam de dia e de noite um anjo só ou um batalhão deles, penso que no céu não há batalhões, isso é coisa da terra e da guerra, posso emendar para rancho, sempre é mais conhecido, deitavam por terra o antes edificado! E a contenda só parou quando um sensato bispo ordenou: faça-se como Deus quer! O pároco ainda disse que não era ordem de Deus, mas do anjo São Gabriel ao que o bispo aclarou: isto é um modo de dizer. E a capela lá está no local exigido, agora com um estreito largo em frente e um corredor em volta, tudo calcetado e um sítio procurado pelos fotógrafos, por dali, com suas lentes poderem registar a beleza do relevo até quase ao fim do mundo.
O senhor Poinhos voltou a protestar, mas disse ao pedreiro para fazer uma paragem sine die, talvez por saber que a tia Amália ia a caminho de Foz Côa, mesmo sem o aplauso do pacifista ti Miguel, meu Pai, tal como o pároco foi ter com o bispo, para saber se tinha ou não razão de que aquele bocado de terra entre muro e parede não era do senhor Poinhos, como ele garantia.
Como não soube o resultado da viagem da tia Amélia a Foz Côa, o que ele devia ter feito antes de gerar aquela confusão e estragar um dinheirão, deu nova ordem ao pedreiro e o acompanhou até ao local, deram de caras com a tia Amélia que, num tom de voz firme o suficiente, lhe disse para não se atrever a fazer o que pensava naquele local, “ senão eu posso esquecer-me dos seus cabelos brancos e corro-o daqui a pontapé!
Foi remédio santo! Tempos depois, com o “rabo entre as pernas” pediu autorização para fazer o portal ao fundo do espaço entre muros, mas não sendo autorizado pela tia Amélia a encostar as suas pedras às pedras da parede da casa, situação caricata, basta dar um empurrão e lá vai a obra para o chão, como sucedera no início do litígio.
E lá está agora, hoje já encostada uma à outra! Morreram ambos os litigantes!

Reis Caçote




9 - O SENHOR JOÃO GRILO

Este senhor morava na casa mais elaborada da aldeia, em termos arquitetónicos! A entrada principal virada quase a nascente, com uma escadaria lateral de acesso ao piso superior, situada bem no alto e limite da freguesia, a caminho do Anjo.
É uma construção maciça, de dois pisos, sendo a fachada virada a norte, no primeiro andar, quase toda envidraçada transformada em estufa, algumas plantas se viam do exterior.
Nunca lá entrei, só o exterior conhecia.
Na citada casa morava o senhor João Grilo e a família, a esposa e dois filhos, o Alberto e a irmã de quem não recordo o nome.
Era um comerciante de solas, com estabelecimento em Figueira de Castelo Rodrigo; talvez tivesse algumas courelas em Castelo Melhor. Mas os rendimentos da família seriam basicamente os da comercialização das solas, com diversas aplicações, mas, sobretudo, para a confecção de botas que os sapateiros iam confecionando por medida do pé de cada um. Os sapatos prontos a usar, se os havia já, não eram para pés daquela zona do mundo.
A filha deve ter ido estudar, tal como o irmão, talvez para o Porto e dela não soube mais, porque parti para a aventura na cidade grande. Mas ainda assisti a uma parte do namoro com o Mário Madeira, que também lhe chamavam Mário Laco, alcunha que era do pai, por linguagem gestual, ela lá no alto da povoação, ele na varanda de sua casa, junto à escola dos rapazes.
Também o Mário foi ara o Porto estudar, isto só para arrumar a questão do namoro, porque o senhor José Madeira terá o seu espaço próprio; penso que não casaram os namorados gestuais.
Ao Alberto não perdi o rasto, voltou depois de interromper os estudos – e que não terão sido muito avançados – casou com a minha vizinha Piedade, filha da senhora Rosinha e do ti Américo (Ferreiro) Patrício.
Já muito mais tarde o soube Presidente da Junta de Freguesia, estive em Castelo Melhor, com o meu irmão do meio, o Licínio, mas não vi o senhor Presidente, apenas me contaram que fazia parte de um pequeno grupo de ex-migrantes, um deles foi meu companheiro de fim-de-semana e meu colega de escola, o Sérgio, que perdi de vista alguns anos depois, deixou de ser aviador de balcão como eu, terá casado com uma ajudante de cabeleireira, casamento que não terá sido duradoiro, mas deu para terem uma filha que passou a morar com o pai em Castelo Melhor. O trio era seguidor da doutrina do deus Baco e pouco se via, mas devia ser por eu ir normalmente no Verão e nesta estação apetece mais a sombrinha de uma adega.
Certo, certo, nunca vi nenhum deles, nem na sede da Junta, nem fora dela!
O senhor João Grilo era, como a maioria dos Senhores, uma pessoa respeitada e respeitadora.
Não confirmei se era filho de alguma família de Castelo Melhor, mas o que a franja de recordação que ficou diz que não, a esposa sim.

Reis Caçote



10 - O SENHOR JOSÉ MADEIRA

… Tinha a alcunha de “laco”, de que ele não gostaria muito, mas que o não afetava ou não se mostrava avesso, como bom comerciante, ou melhor, negociante, em que o lema é viver bem com toda a gente, já que de todos precisava para seu modo de vida e maior rendimento.
Não era natural de Castelo Melhor, indo ali parar, como outros o foram, em busca de melhor oportunidade de vida que não encontrariam em suas terras; casou com uma nativa, de que nasceram dois filhos, um casal, e alguma fortuna, mas esta por via dos negócios que fazia e não do casamento.
Comprava aos agricultores cereais e amêndoa a quem a tinha para vender, só a semente, a amêndoa em grão, se fosse antes de partida seria amêndoa em casca. Geralmente era já a amêndoa que os pequenos produtores lhe vendiam.
Era, pela certa, o maior comerciante por grosso, importando também alguns produtos, nomeadamente batata de “semente”.
Os filhos, de que apenas do rapaz recordo o nome, o Mário, foram ambos estudar, penso que para o Porto; não sei se a filha terá terminado algum curso, mas o Mário era o quebra-cabeça do pai, o senhor José Madeira.
O senhor José Laco tinha um pequeno estabelecimento de mercearia e vinhos, tal como os outros dois existentes na aldeia, mas a sua principal actividade e fonte de rendimento era o comércio por grosso; comprava excedentes de cereais e a amêndoa de quase todos os pequenos produtores; os maiores, como era o caso dos senhores José Patrício e Cassiano de Albuquerque, teriam a sua linha própria de escoamento.
Para armazenamento dos produtos em trânsito construiu numa das suas propriedades, mesmo no fim das habitações, no lugar designado por palheiros, na saída a caminho do rio Côa.
Com o avançar dos anos e da sua experiência foi fazendo uma pequena fortuna e seu património imobiliário alargando; como quase sempre sucede onde os casos de sucesso aparecem, dizia-se à boca pequena e às vezes à grande que, ou ele tinha encontrado o” lagarto de dois rabos”, o tal da sorte, ou então o senhor Madeira não era um paradigma de seriedade! Ele, rei em terra de cegos e negociante por vocação, quando algo era insinuado em desabono da sua seriedade, ria com tranquilidade, pois sabia que concorrência não tinha ou quase, uma vez que o senhor José Índio não tinha capacidade para competir, sobretudo nos moldes em que o senhor José Madeira o fazia.
O senhor José Índio era o comerciante por grosso mais antigo e não teria a astúcia do concorrente mais novo e nunca passou da “cepa torta”.
O filho Mário era, garantidamente, o pior “negócio” do senhor Madeira! Terminou a primária e, logo de seguida, foi enviado para o Porto para prosseguir os estudos, mas ele deve ter-se deslumbrado com a cidade grande e a ela dedicaria o seu melhor, deixando os estudos para segundo, terceiro, ou último, já que nem ele próprio saberia o número de planos que nunca elaborou.
Na época dos exames, quando alguém perguntava ao senhor José Madeira: “então o Mário ficou bem?” Ia respondendo sempre, ano após ano, “ele fica sempre bem, quem fica sempre mal sou eu que pago as despesas e resultados nada”!
Quando chegou a altura de o Mário ter de abandonar oficialmente aquilo que ele, oficiosamente, já há muito deixara para trás e ir trabalhar, mesmo sendo nenhuma a vontade, lá foi o senhor Madeira pôr os seus lucros a render, tomando de trespasse, no Porto, um estabelecimento de não sei que especialidade, para o Mário explorar.
Arranjou mais uma carga de trabalhos, pois o Mário não se entendia com o negócio e o pai lá tinha que fazer umas temporadas a ver se as coisas se endireitavam, descurando os negócios em Castelo Melhor.
Andava eu na terceira ou quarta classe, juntamente com um sobrinho por afinidade, o Acácio, que lhe ficava a tomar conta da mercearia e vinhos quando ele estava no Porto. E tantas vezes se tornou necessário ir ao Porto que a certa altura, já a esposa estava muito doente, ele tentou convencer o meu Pai a tomar-lhe conta das terras, na forma de rendeiro e zelador! Sucederam-se as reuniões nocturnas a que não assisti, mas no final, de positivo, resultou muito pouco, mas de negativo resultou: meu Pai que, não fumava há vários anos, voltou a agarrar no cigarro, porque o senhor José Madeira, isto ouvi várias vezes, antes ou durante as reuniões, insistia com o ti Miguel “vai mais um cigarrito, senhor Miguel?” e, daquele jeito, meu Pai voltou a fumar, hábito que veio a abandonar tempos depois.
Mas da sua forma pouco séria de negociar dei-me eu conta; certo dia pediu-nos, a mim e ao sobrinho Acácio, para o ajudarmos a pesar uma quantidade de trigo de um conterrâneo que o armazenara ali até ele, senhor Madeira, ter tempo para o pesar. A falta de tempo invocada era, nem mais nem menos, esperar que o trigo perdesse a natural humidade, para quando fosse pesado o trigo estar mais seco e, logo, menos pesado e quanto menor fosse o peso, menor era a quantia que o senhor Madeira ia pagar.
Mas a esperteza do negociante era ainda mais refinada! Numa mudança de pesos no prato da balança decimal, ao levantar o peso de cinco quilos, caiu um pedaço de chumbo que devia pesar uns duzentos e cinquenta gramas e que não era o chumbo que todos os pesos levam para acertar e ser aferido, como os que tínhamos na escola. Perante o meu olhar de espanto o senhor Madeira não teve dificuldade em arranjar uma desculpa: “era assim mesmo porque o peso estava descalibrado”! Nenhum dos dois a engoliu, o Acácio acenou com a cabeça de forma crítica, mas o tio do Acácio era homem de recursos e não se atemorizou. Era o negociante em pleno.
No ano em que fui para Lisboa e como resultado das negociações entre o senhor José Madeira e o meu pai, a meias semearam grão-de-bico, mais conhecido na aldeia por gravanço, a terra que o senhor Madeira tinha na encosta mais virada a norte da colina do castelo e por detrás do forno da tia Amélia.
Era um regalo ver aquele campo coberto de verdes plantas rasteiras, depois as flores e a seguir carregadas de sementes. Toda a gente gabava a ideia de ali semear gravanço e admirava a sementeira!
Já em Lisboa, meses depois, a tia Amélia, minha mãe, em carta enviada para Lisboa, juntamente com um cabaz de produtos da terra, mandou escrever, ela não sabia, que tinha a intenção de mandar uma taleiga de gravanço, pois tinha sido boa a colheita na Tapada do Forno, a meias com o senhor Madeira, mas o excomungado grão não se coze, nem que se gastasse a lenha toda da aldeia! Não to mando porque o petróleo de Lisboa não chegava para o cozer.
O meu pai, sócio da “boa colheita” queria dá-lo ao gado, juntamente com a palha ou a cevada, mas o sócio senhor Madeira, como bom negociante que sempre foi, comprometeu-se levá-lo à feira de Castelo Rodrigo e tentar vendê-lo; e assim terá feito, o grão era uma beleza, coisa linda de se ver e foi um instante enquanto foi vendido e mais que fosse.
Boas pragas terão sido rogadas ao senhor José Madeira, mas quando os que compraram só quando o tentassem cozer é que ficaram a saber o que os produtores já sabiam e o vendedor estava já longe e não voltaria à feira, aquele não era o seu posto preferido de fazer negócio.
Quem ficou a perder foi o sócio Miguel Monteiro! Como sempre sucedia!

Reis Caçote



11 - O SENHOR JOÃO “CEGO”

Cego, não era apelido nem alcunha do senhor João, era sim a deficiência com que nasceu e que os hábitos das pessoas, sempre procurando o lado mais fácil da vida, a adotou e acabou por fazer parte integrante da forma de identificar o senhor João, como se de nome se tratasse. Bom seria que o fosse para ele e não a cegueira, só este pequeno texto, guardando as recordações de tempos distantes, não seria escrito e de o fosse seria de diferente norma.
Como seria a narrativa sendo o apelido Cego, mas vendo perfeitamente?
Era assim que todos o tratavam. Era proprietário de uma das três mercearias, ficando esta no Largo da Igreja, quase iniciando a hipotenusa do triângulo retângulo que era a configuração do largo. No piso superior morava a família, composta pelo casal e quatro filhos, dois rapazes, Octávio e Procópio e duas raparigas, Mili e Noémia.
Ambos os rapazes, terminada a instrução primária, prosseguiram os estudos num seminário, como outros o fizeram quando os recursos da família eram frágeis e como os outros também eles não seguiram a vida eclesiástica.
O senhor João Cego, que morreu recentemente, com perto de um século de vida, tinha um estábulo na Rua Larga, junto da casa do meu padrinho e uns cem metros do largo da igreja; sempre me despertou curiosidade e não menos vontade de perceber qual a forma de orientação usada pelo senhor João, quando o via sair da loja, virar à direita e caminhar cerca de vinte metros ao lado da igreja, depois virar à esquerda e entrar na dita Rua Larga, fazendo o trajeto de ida e volta mais de uma vez por dia sem que alguma vez se enganasse; que eu visse, claro e não era minha ocupação andar a tentar ver se confirmava a afirmação.
Será que contava os passos ou usaria outros sentidos, segundo dizem mais apurados quando um falta? O que usava não sei, nunca lhe perguntei, mas a verdade é que nunca se enganava.
Há coisas a que nem os cegos escapam, neste caso às tropelias dos filhos, quando iam de férias, no Natal, na Páscoa e no Verão; porque gostavam e havia com abundância, várias vezes apanhavam caracóis, os preparavam com a ajuda da mãe, senhora Josefa e os comiam, sempre sob a condenação do pai, que achava ser bicho nojento! Mas era cego!
Numa das férias, filhos e mãe, conluiados em pregar uma partida ao pai, outras lhe terão pregado que não conheço; prepararam os caracóis com arroz, bem temperado e condimentado, de que a mãe também gostava e tentaram acabar com a relutância, mais teimosia que relutância, do senhor João!
A arrozada estava pronta e foi posta na mesa, com a indicação ao cego de se tratar de arroz com “miúdos” de cabrito; fígado, rim, etc.
O senhor João comeu, repetiu e elogiou a especialidade do arroz que a esposa tinha preparado, dizendo: oh, Josefa o arroz está hoje melhor que das outras vezes ou sou eu que estou com mais apetite!
Come, diz a esposa, a tentar conter o riso e os filhos a escaparem-se, incapazes de o conter!
E no final do elogiado repasto, mulher e filhos, quase em coro dizem ao senhor João: “ então era o pai quem não gostava de caracóis, mas souberam-lhe tão bem que repetiu duas vezes!”
Era arroz de caracóis?! Então, a partir de agora, vão apanhá-los todos os dias e a mãe que faça uma arrozada como a de hoje! Que pitéu!
- Até tenho pena de ser cego, senão quem os apanhava era eu!
- E não precisava correr muito! Brincou o mais velho, o Octávio.

Reia Caçote


12 - O SENHOR MARCOLINO

Era o sapateiro mais perfeito, aquele que melhor fazia as botas por medida! Era um regalo vê-lo desenhar o pé do futuro utilizador das botas, colocando ora um ora outro em cima dum pedaço de cartão e ele contornar, com lápis grosso, o pé descalço; não era a sapateiro remendão da história infantil!
Morava com a família numa casa de dois pisos, recentemente construída, tendo no piso rente ao chão a oficina de sapateiro, virada para um pequeno largo e a entrada para o piso superior pela Rua Larga.
Do filho mais velho e um outro a seguir não me recorda ou recordo mal, por isso ficam só como registo. Apenas o Leonel, o Aristides e o Acácio recordo melhor:
O Leonel por ter um jeito raro para jogar futebol, sobretudo a forma como tratava a bola, mesmo de trapos ou de meia com trapos dentro; chamávamos-lhe pezinhos de lã, tal era a forma delicada como ele afagava a bola! Como o nome dele era Leonel, também se dizia, rimando: “ Leonel tem pezinhos de mel”
O Aristides, mal terminou a primária, deve ter partido para o Porto e não me recorda de o ter visto mais!
O Acácio, mais ou menos da minha idade, foi o tal companheiro que fez parte da aventura de aprendizagem do latim para quando o Senhor Bispo da Guarda visitasse o “rebanho” de Castelo Melhor. A vinda e ida do Prelado têm desenvolvimento noutra parte das “ Recordações”, no capítulo sobre a escola.
O senhor Marcolino, para mim que nada sei de sapateiro, era sabedor do seu ofício, sendo o Acácio o filho que mais marcou, pelos anos de escolaridade em que convivemos!
Cada um no seu lugar, e o senhor Marcolino era no de sapateiro.

Reis Caçote
Dig.01/14



13 - O SENHOR ANIBAL SOARES

Como não era natural de Castelo Melhor, mas ser tão próximo em tantos aspetos, decidi incluí-lo no selecionado grupo dos senhores da minha aldeia.
Não era natural de Castelo Melhor, como ficou dito no início e, como era tradição naqueles tempos, deve ter “pago o barro” à rapaziada casadoira da aldeia, numa das tabernas existentes – de que muito duvido! – para poder casar com uma das irmãs de meu padrinho, então Maria Albuquerque, talvez a menina mais rica da urbe.
O que era o barro e por que era pago: segundo a tradição quando algum rapaz não da aldeia se enamorava de alguma rapariga ali nascida, devia pagar aos rapazes em idade de poderem constituir família, um cântaro de vinho, “o tal barro” como tributo! Se a rapariga nasceu e cresceu na aldeia e ia ser levada, ou não, pois podiam ficar a viver lá, devia contribuir com o que seria o valor do barro de um cântaro, por isso era partido depois de bebido o conteúdo. A origem deve perder-se no tempo, mas tudo leva a crer que será uma tradição adaptada do tributo pago ou devido pelo noivo aos pais da noiva e que ainda hoje é praticado por algumas tribos de Africa. Poderá também ser de origem feudal, mais recente portanto, em que o senhor era dono do feudo e de quem lá habitava e trabalhava! Se perdia para outro feudo um dos seus, teria de ser ressarcido. Mas tudo isto são conjeturas que valor algum não terão e se tentarmos aplicar a Castelo Melhor, onde ainda restavam exemplos vários da vivência comunitária, o tributo devido à comunidade era assim cobrado: “ levas o cântaro mas pagas o barro”!
Ainda participei, como curioso assistente, numa dessas arruaças, já pela noite dentro, esperando que o resistente ao pagamento passasse em direcção a Almendra, de bicicleta e confesso que não gostei nada, mesmo que se não tenha consumado o castigo de lhe abrir a braguilha e enfiar barro pela abertura! Os que podiam quase se ofereciam para pagar, mas nem todos podiam e tentavam fugir, ao que hoje seria ao fisco!
Por pouco me esquecia do senhor Aníbal Soares, que era de Almendra, outra aldeia a escassos quilómetros para sudeste!
Era, segundo as vozes que circulavam, o maior empresário industrial da região e contra essa versão não levantarei qualquer dúvida. Todas as indústrias estavam ligadas, direta ou indiretamente, aos produtos agrícolas: lagares para extração do azeite, moagens para a produção da farinha, e depois a das massas alimentares, sendo a mais conhecida a das massas Vouga, com grande aceitação no mercado como confirmei mais tarde em Lisboa, quando fui “aviador de balcão”, mais conhecido por marçano! O slogan usado na altura para publicitar o produto, inscrito na embalagem, era : “ O nome das Massas Vouga chega a toda a parte, as Massas é que não chegam por que não chegam”!
Tinha, pelo menos uma fábrica de sabão, na região do Minho, para aproveitar os resíduos do azeite, um pouco como faziam as pessoas da aldeia, artesanalmente, adicionando soda ao composto dos resíduos recuperados.
Do casamento com a Dona Maria, o Albuquerque foi sendo esquecido, nasceu apenas um filho, que mal conheci e a quem sempre ouvi nomear por doutor Zeca, licenciado em economia e finanças que faria parte da direcção da Companhia de Seguros Soberana, sendo o grupo da família Soares um dos principais acionistas.
Como do senhor Aníbal Soares nunca constou que, como o senhor José Madeira, tivesse o lagarto de dois rabos que lhe indicasse os caminhos da fortuna, bem maior que a deste, os crentes do costume e invejosos crónicos, não o isentaram de responsabilidades, atribuindo-lhe artes e negócios com o belzebu, sobretudo a partir da época da guerra, a Segunda e pós guerra, quando ele mandou construir um conjunto habitacional requintado na então e ainda hoje Quinta do Custódio.
Tinha uma área murada, sobressaindo no ponto mais alto da colina, o palacete, com garagens e lagar e adega nos dois pisos inferiores e no terceiro a moradia, ampla, toda construída com materiais da região, o xisto e o granito, com um largo espaço cimentado em frente, para onde abria a entrada principal, virada a nascente.
Mo perímetro destinado às habitações, a uns escassos metros do terraço, estavam a casa dos caseiros, os estábulos, as alfaias agrícolas e um pouco mais abaixo a eira para a debulha do trigo e outros cereais e logo a seguir, colada a esta eira uma cisterna, com cerca de dois metros de profundidade, para onde eram empurrados os excedentes de palha do trigo ou cevada e onde iam ser despejados, através de canalização, as águas da chuva e dos sanitários, bem como dos currais e estábulo dos animais, transformando tudo, de forma natural, em estrume para adubar pomares, hortas e outros terrenos; ou seja, nada era desaproveitado, aplicando ao espaço e sua utilização o mesmo critério que na sua vida industrial aplicava.
O pomar de citrinos deve ter obedecido a regras estudadas, com plantas de porte baixo, mas robustas, produziam frutos que a família consumia e o excedente devia ser comercializado no Porto, o que duvido.
A vinha começou a ser plantada em terrenos pré-definidos, sendo o terreno saibrado nas meias encostas de solo quase sem terras à superfície. O mesmo se passou com o olival, que foi aumentando conforme ia comprando terrenos que confinavam com os já da família, criando desse modo um perímetro regular para a propriedade total, assim crescendo a área do olival.
A certa altura constou que o senhor Aníbal tivera um acidente de viação à saída do Porto, quando se deslocava de carro com a esposa e o motorista, com destino a Castelo Melhor.
Era Inverno, a estrada tinha ainda geada não derretida em alguns pontos, numa curva para a esquerda o motorista a não conseguir controlar o veículo, resvalando em direção à faixa esquerda sem controlo. A curva da estrada delimitava uma ribanceira de vários metros para a qual o carro se encaminhava, apesar do esforço do motorista. Consta que o senhor Aníbal ao pressentir que o carro e seus ocupantes ia mesmo precipitar-se para o fundo da ribanceira, se terá virado para abraçar a esposa. Foi nesse momento que o embate se deu: o motorista de um autocarro de passageiros que vinha em sentido contrário, apercebendo-se do que iria suceder ao carro dentro de segundos, propositadamente embateu com a parte esquerda do autocarro na zona do farol do automóvel, projetando-o para a faixa de onde vinha resvalando.
Do embate resultou, para além dos danos materiais nos dois veículos, pequenas escoriações no motorista do automóvel e o senhor Aníbal terá fraturado os ossos da bacia e cabeça do fémur, tendo sido assistido no Porto e dias depois, a seu pedido, partiu para Inglaterra onde foi operado; desde aí passou a andar sempre apoiado numa moleta concebida para ser aberta e funcionar como cadeira para descansar.
O motorista do camião, tido como salvador dos ocupantes do automóvel e recompensado pelo senhor Aníbal.
Foi sempre tido como temperamental e da fama devia ter tirado algum proveito, por não ser com festinhas e só boas maneiras que se chega ao patamar da vida em que se encontrava em termos patrimoniais.
Tal como eu, após a saída da escola, fiz duas safras no lagar, também o meu irmão mais velho, o João Amílcar, lá trabalhou. Numa das visitas que o senhor Aníbal sempre fazia ao lagar de que era socio com o seu cunhado e meu padrinho, terá feito algum reparo ao João Amílcar, temperamental também, a conversa deve ter azedado, o senhor Aníbal bateu com a moleta no meu irmão e este lhe atirou com o cincho da prensa que tinha nas mãos! Felizmente o senhor Aníbal não foi atingido e só o cincho ficou em bocados. Este incidente de que ouvi falar a um dos familiares serve apenas para corroborar: a fama de temperamental do industrial e o destemor do trabalhador João Amílcar. Nada mais do que isto.
Só o pormenor de, anos mais tarde, já casado o João Amílcar, foi contratado para trabalhar na Fábrica das Massa Vouga, directamente pelo senhor Aníbal. Da minha lavra acrescento que o senhor Aníbal terá ficado de olho no João e pensado “ este é cá dos meus” e daí o contrato.
Algum tempo depois, já casado também, com a filha mais velha do caseiro da Quinta do Custódio, foi o meu imediato anterior irmão, o Ernesto, trabalhar para a fábrica de refinação de azeite e extracção de óleo que a família Soares tinha a funcionar há não muitos anos, deixando a responsabilidade das vinhas que tinha na Quinta.
Esta fábrica, anos mais tarde, já falecido o senhor Aníbal, foi comprada pela empresa que criou e desenvolveu a marca do óleo alimentar “três ás – AAA- que acabou por desaparecer, anos depois do 25 de Abril, durante o período de encerramento de fábricas.
A morte do senhor Aníbal veio ditar o destino das empresas, que foram falindo progressivamente.
Do meu tempo de Lisboa me recordo das Massas Vouga e do seu tema publicitário, do óleo AAA foi muitos anos depois, como disse antes como também antes ficou registado.
Este senhor Aníbal deve ter um historial riquíssimo, certamente mais rico que a sua fortuna, mas esse historial não o conheço e fazer ficção só para encher páginas, não é minha intenção, não tenho tempo, nem saber, nem vocação para do real fazer ficção.

Reis Caçote
Dig/09/01/14



14 - A SENHORA AMÉLIA CAÇOTE

                                                 I

A senhora Amélia Caçote era a única tia-avó que conheci; era a única irmã do meu avô materno, Joaquim dos Reis Caçote, que nunca conheci, tal como o avô paterno. Do avô Joaquim usurpei os apelidos, que têm servido de refúgio e álibi às minhas debilidades “artísticas” a partir do momento em que pensei parar e de seguida nelas insisti, na convicção de ainda assim aprender alguma coisa.
Sendo pouca a quantidade e fraca a qualidade do que fizera, atrevo-me a garantir que, se o tivesse conhecido, seriam inevitavelmente diferentes as referências que dele me chegaram, mais “lendas” que feitos reais! Mas é assim que dele gosto, misto de realidade e lenda, sem desenho ou retrato, apenas imaginação.
Algo me diz que teríamos feito amizade, avô Joaquim, se em vez de te exilares no Brasil, sim, por que tu não emigraste, viraste costas, para manteres inteiras a estatura física e verticalidade intelectual!
Quem não teme cobras, do tamanho daquela de que tantos fugiram e tu cortaste a meio com um só golpe de roçadoira, lá no moinho que seria já património de tua irmã Amélia, a quem dedico este breve apontamento; e quem, senão tu, alguma vez daria aos dois cães os simbólicos e belos nomes de “Vale quem tem” a um e “Massaroca” ao outro, mesmo que uns neguem e outros encolham os ombros, tu estavas, à tua maneira, a fazer critica social e caracterizar a forma menos ortodoxa e, logo, menos orgulhosa de comportamento da linhagem moral dos Caçotes anteriores, usada pela tua irmã e minha tia-avó Amélia Caçote, de quem passarei de imediato a discorrer. Ou talvez não já!
Façamos de conta (e é o que tenho feito quase toda a vida, avô Joaquim) que é uma carta para ti, lá no outro lado do mar Atlântico, em terras de Santa Cruz, que o Pedro Alvares Cabral encontrara, uns séculos antes de tu e eu termos nascido, mais eu que tu; se a carta chegar a tempo, o que seria a descoberta mais espantosa deste século XXI, não te espantes por te tratar com esta “falta de respeito”! Não é só uma modernice de linguagem no nosso caso, no meu caso, é sobretudo o resultado da íntima relação que venho estabelecendo com a imagem que de ti me chegou distorcida, que sempre me pareceu mal tratada e que eu tenho vindo a tentar limpar e um dia polirei, se achar que vale a pena, mas penso que não vale! Devido a esta proximidade da tua ausência e a forma como te conheço já, sei que não ficarás zangado pela forma de tratamento.
Sem qualquer intenção delatora e apenas para que “vivas” tranquila a tua eternidade, ficas a saber que os teus quatro netos, meus irmãos, filhos da tua filha Amélia, não têm de ti uma imagem imaculada e eu os tento compreender quando a ti se referem em termos menos conciliadores e te acusam de abandonar a avó Josefa com quatro filhos pequenos e partires para tão longe, como se nessa época alguma distância fosse pequena, tendo como exemplo o que hoje leva dez minutos a percorrer, do nosso Castelo Melhor à sede do concelho, Foz Côa, levava então e durante muitos anos, nada menos que duas horas para boas pernas e bom calçado! Os outros netos, o Acácio, filho da tua filha Meliana, que muitos anos depois foram ter com o marido e pai ao País que já te teria assimilado, com algum azar a acompanhá-los, lá na cidade do Cristo Rei, ou do Corcovado, já que o Acácio morreu num acidente de viação, atropelado por um automóvel quando desceu de um bonde fora do local de paragem, só dele recordo a cor ruiva do seu cabelo e o seu forte pontapé na bola que ia de uma baliza à outra e sobre o que ele ou a tia Meliana diziam sobre teu comportamento; os meus primos, teus netos também, filhos da outra tua filha, a Filomena, a Valentina casou por procuração com um dos filhos de Castelo Melhor que estava em Angola há alguns anos e morreu de parto não recordo quanto tempo depois de ter ido ter com o marido; a Julieta foi um tempo para a Guarda para tirar um curso que a autorizava a dar aulas aos miúdos da primária, penso que se chamava Regente Escolar; veio de lá sem a trança e o pai, o ti Zé Bregas, fez uma algazarra sem jeito, mas depois acabou por se habituar, pois era já moda em muitas outras localidades do País, sobretudo nas cidades. De Castelo Melhor recordo quase só as tareias que me dava quando eu não me portava bem e isso era o que eu fazia com mais vontade: portar mal! Depois foi em Luanda, andava eu por lá à espera da minha guerra, quando ela anunciou a sua vinda lá do interior para consultar um oftalmologista. Dei o apoio que podia, ela andava já muito zangada com o ordenado dos graduados da guerra, que nada faziam e ganhavam um dinheirão; coisas da guerra. Não a vi mais e só dela ouvi falar, nada bem por sinal, quando regressou, naquela onda de abandono das colónias com a independência, em que uns eram retornados, outros refugiados e até um encontrei que, talvez para dar nas vistas, se afirmava devolvido, isto ouvi eu numa sessão de esclarecimento numa freguesia do concelho de Leiria, e deve ter sido a última vez que se auto distinguiu, pois logo abandonou a sala quando lhe respondi que as devoluções mais frequentes eram por a mercadoria não servir ou por estar fora de prazo! A Julieta foi casar com o cunhado, de acordo entre eles; o Norberto, mais novo do que eu, deve ter deixado a escola já depois de eu ter ido para Lisboa, dele nada sabendo a não ser que vive no Porto, parece que bem, ainda bem. Os dois filhos do teu único filho homem, o ti Zé Caçote, o Flávio e o Gilberto, o primeiro, talvez um ano mais novo que eu, deve ter herdado do pai uma intuição apurada para tudo o que eram maquinas e seu funcionamento e que a escola deu seu o impulso que faltava. Correu mundo a instalar fornos para cerâmicas e não sei se também para o vidro; tão depressa estava na Argentina como dias depois era na África do Sul! Soube pelo teu filho esta grande aventura do teu neto. Terá feito fortuna, comprou casa no Algarve onde instalou a família e um acidente o levou antes de tempo, mas o passaporte dele para a vida, tal como o de todos, não tinha prazo de validade, a hora chegou e quando ela chega nada há a fazer; nunca mais vi o Flávio. O mais novo, o Gilberto, depois de ter organizado a vida no Porto, quando o teu filho faleceu e já não restava mais ninguém, voltou a Castelo Melhor e gerir o que era património da família. Visitei-o em Agosto de dois mil e nove, quando lá estive com uma amiga portuguesa, a viver na Alemanha desde mil novecentos e noventa e dois, onde casou e me tem proporcionado umas férias bem agradáveis num mundo diferente! Casou com um engenheiro alemão, dois anos mais novo que ela, estão bem e dão-se bem! Sempre mostrou, essa amiga que conheci na Marinha Grande quando ela tinha dez anos, desde que comecei a passar férias na Alemanha sempre mostrou curiosidade em conhecer a nossa aldeia e assim lá fomos, visitámos a tua neta e minha única irmã, Maria Juliana, ela e eu é o que resta da família, a residir num Lar para idosos, que a Santa Casa da Misericórdia ali explora ou mantém, em Foz Côa, hoje já cidade. Almoçámos os três e a convencemos a ir connosco para podermos ver as nossas mansões geminadas, a casa onde nasci e a outra da Maria Juliana. E, claro, uma parte da aldeia, sob um calor de rachar, nesse dia exagerado, não fomos ao Castelo nem à novidade que vais agora saber: as Gravuras rupestres, junto ao Côa, a montante do moinho da cobra que terás partido em duas, e são uns riscos profundos na face plana das fragas, representando animais que deviam andar por ali e que agora se cansaram e se puseram a mexer, como nós fizemos. Dizem que os riscos têm mais de trinta mil anos e eu não faço questão de acreditar, não os vi fazer, nem os vi nunca em nenhuma das vezes que ali passei algum tempo e nunca ouvi alguém mais velho falar dos desenhos. Como disse antes fui visitar o Gilberto, que estava óptimo, andava a ampliar a casa que foi da família, depois de ter restaurado o antes existente. Recebeu-me bem, e fez questão de oferecer à minha companheira de viagem uma garrafa de licor de amêndoa, que ainda ajudei a beber, no ano seguinte, quando estive em casa deles, em Heidenheim.
Como a carta vai longa, embora gostasse de te dar outras novidades, mas era da tua mana, a Amélia Caçote, que eu estava a falar e o farei quase de seguida, depois de deixar esta pequena” jóia literária”! Vamos supor que a alma existe, como alguns o garantem e eu não creio nessa existência, e nesta suposição a tua alma de velha lenda, recebia estes considerandos e os lia! Vejo teu sorriso sábio e irónico, como o do teu único filho português (já que do Brasil as notícias eram poucas e todas mais velhas que eu, ia para escrever filho legitimo e não o fiz por uma questão de formação), o tio José Caçote e dizeres, para nada porque não faço a mínima ideia com quem as almas falarão: “este meu neto deve ter uma pancada razoável” e dobravas o papel e o metias num dos bolsos da alma!

                                                 II

Ao ver esse sorriso irónico sobre a parte que te dediquei e como da tia Amélia Caçote também só a alma andará por aí e partindo do principio que vossas almas não se encontraram em alguma reunião das almas, reunião de família e ele te tenha contado, decidi que ia continuar a carta ou escrever uma revisão suplementar do que já sabes.
Então é assim, caríssimo avô Joaquim:
Quando nasci tua irmã, Amélia Caçote era já uma respeitável e respeitada senhora, com cerca de sessenta anos de idade, sofrendo de uma doença que na época teria uma nome que não recordo e que actualmente é designada por “obesidade mórbida”, não será o nome clinico. Tinha já um volume imponente, a massa adiposa vinha desde o pescoço até cobrir os sapatos.
Via-a quase sempre sentada, à janela de sua casa, talvez a mais bonita da aldeia, situada do lado esquerdo, no início da Cascalheira, e que alguém recentemente alterou e sua beleza anulou. Gostos de modernidade.
Daquela janela do primeiro andar ela via, sem se mexer no cadeirão, a tua sobrinha Cecília, casado com o senhor Cassiano de Albuquerque e minha madrinha de registo, na casa do lado direito da Cascalheira também, onde moraram vários anos, muando-se depois para a casa grande da família Albuquerque, na Rua Larga, quando a tua sobrinha-neta Noémia, única filha do casal, atingiu a maioridade e ficou ela a utilizar a casa, com uma empregada ao serviço.
Só um pequeno aparte que, por inédito, não podia esquecer de te contar:
- terá sido no ano de quarenta e oito ou nove, estava na terceira ou quarta classe, quando o senhor Bispo da Guarda, pela primeira e única vez, foi visitar o seu rebanho (era assim que estava escrito na faixa que encimava um pequeno púlpito montado no inicio da Cascalheira, entre a casa da tua irmã Amélia e a que a Noémia veio ocupar) de Castelo Melhor, o dos Pimpões, subindo a Cascalheira no jeep da Guarda Republicana. Subiu e no mesmo dia desceu, às pressas, no jeep em que chegara, com as ovelhas revoltadas a atirar-lhe calhaus! É verdade, eu estava lá!
Mas, como estava dizendo, ainda sem se mover do seu cadeirão, a tua mana podia ver a outra filha, a Mariquinhas, que morava e nunca terá mudado, na casa de dois pisos, grande também e que fica mesmo em frente à Cascalheira, ocupando o espaço entre duas ruas que se juntam uns cinquenta metros atrás formando um triangulo onde funcionava a queijaria e cozinha e num patamar mais elevado era o terraço para secar a amêndoa ou cereais já prontos a ensacar.
Como já disse antes o senhor José Patrício, teu sobrinho afim por ter casado com a tua sobrinha Mariquinhas, era de Algodres, nada tendo a ver com a família dos Patrícios de Castelo Melhor, bem conhecida também, como outras o eram e ainda serão; destas e outras famílias já nada resta, este é o inexorável caminho da história, das pessoas e de algumas coisas: nascem, crescem ou não e morrem de certeza!
A tia Amélia Caçote, tua irmã, herdeira de duas pequenas ou médias fortunas, vindas dos dois casamentos com viúvos que, ou não tinham descendentes directos ou as leis de então não permitiam o acesso a heranças, terá sido ela a herdeira universal, após a morte de cada um dos dois esposos, convertendo-se na viúva mais abastada da aldeia.
Terá havido uma situação irregular na forma como uma das quintas foi juntar-se às anteriores, adquirida em hasta pública na sede da Comarca, ou seja em Figueira de Castelo Rodrigo por um dos maridos da tua irmã, mas com dinheiros e por encomenda do parente da família, mas isto são pormenores que apenas põem em causa aquilo que na época e durante muitos anos fez lei: a palavra dada.
E como mais tarde as famílias se juntaram pelo casamento ou até já estariam juntas, só um dos herdeiros poderá ter sido prejudicado.
                                                 III

A minha tia-avó, senhora Amélia Caçote, assumiu a postura de senhora “feudal” distribuindo alguns favores e colhendo os rendimentos inerentes.
Habitava, com uma criada, a tal casa mais bonita da aldeia, como já disse e agora modificada para o feio, como também já disse, há muitos anos e da sua janela vai recebendo, de manhã ao anoitecer, os cumprimentos reverentes dos conterrâneos, sobretudo das mulheres, por ali terem que passar a caminho da fonte.
Da sua janela vai sabendo o que se passa, que não se esquece de perguntar; também ali têm que passar todos os que vão a caminho de Almendra ou da Figueira; só os que vão para Foz Côa, a pé, a cavalo ou de comboio é que não passam em frente à janela. Só estou com estes pormenores contigo porque não sei como o mecanismo da alma funciona, se esquece tudo ou não.
Nem todos gostam da tua mana o que é perfeitamente natural, como natural é ela não gostar de todos.
Nas suas arcas, bem conservadas, há roupas do final do século XIX e anteriores e que durante algum tempo voltaram à luz do dia quando, os teus sobrinhos-netos, Álvaro e Reinaldo, numas das suas férias, decidiram recriar o Pedro e Inês da história de Portugal em forma teatral.
Eu, confesso, nunca morri de amores pela tia-avó Amélia Caçote; visitava-a com a regularidade de quem passa e só tive acesso ao andar cimeiro na companhia dos netos referidos e foi então que admirei o seu recheio, sobretudo um gramofone Master Voice, de trabalhado funil ampliador de som, mas nunca o ouvi tocar.
A certa altura, já a escola tinha terminado há um ano ou dois, estava a jogar aos feijões com os teus outros netos, Flávio e Gilberto, filhos do teu único filho homem, o ti Zá Caçote, mesmo por debaixo da janela da tua irmã; assomou-se e de lá atirou uma moeda para cada um dos outros teus netos e para mim atirou um recado: “ tu não precisas, pois ganhas muito dinheiro no minério”!
Grande injustiça! Se alguém nunca soube quanto terei ganho no rebusco do minério, se foi muito ou pouco, esse alguém fui eu, por estranho que possa parecer, mas é a realidade. Nunca pensei no assunto, como hoje o faço em relação a uma quantidade de outras coisas.
Ainda hoje me interrogo sobre qual terá sido a fórmula encontrada para que os três companheiros do rabisco ou rebusco fumassem um maço de cigarros Definitivos por dia, sempre às escondidas dos mais velhos, lá nos campos do Seixo e nos ribeiros em redor, onde lavávamos as terras! E digo que não sei porque nunca a minha mãe, tua filha Amélia, gestora financeira da família, me deu dinheiro algum, excepto uma vez e com um fim especifico: comprar uma gaita – de- beiços, mais conhecido naquelas bandas por realejo e que logo perdi, numa noite de sustos no caminho de Almendra para Castelo Melhor.
Por isso estou hoje convencido de que sempre andei a fumar por conta dos colegas! Colegas sim, não sócios, numa atitude de crava que hoje rejeitaria por princípio.
A partir desse dia de julgamento primário, hoje lhe chamaria sumário, a tua mana Amélia, lá do alto da janela, desceu uma quantidade de pontos na escala da minha reduzida estima!
As visitas passaram a ser só as indispensáveis e ficou muito claro este estado de alma (agora somos duas almas, uma ouvindo outra falando),quando lhe disse muito obrigado, mas não aceito, quando quis arranjar-me casamento com uma de duas raparigas solteiras e que para ela, casamenteira, a rapariga estaria ao nível do meu “estatuto social”, ambas bastante mais velhas que eu. Como resposta ouvi o recado da frustrada tentativa: “és pobre e mal -agradecido”, dito com voz fingindo ofensa! Esta cena passou-se em casa dela, numa das minhas férias passadas em Castelo Melhor.
Assim me lembrei do conflito familiar criado pelo teu neto mais velho, o João Amílcar, meu irmão, ao encarregar a nossa mãe e tua filha, estava ele quase a terminar o serviço militar, para ver se lhe arranjava uma noiva para casar quando voltasse.
A tua filha e nossa mãe acordou com a “casamenteira oficial”, paga com uma fanega de trigo logo que o acordo foi firmado. Só que o João Amílcar não respeitou, enamorando-se de outra que veio a ser sua esposa. Ficou proibido de entrar em casa e nenhum dos irmãos e pais iriam ao seu casamento, assim como não receberia o enxoval habitual aos noivos, que não descrevo por me parecer assunto de “lana caprina” e não o conhecer por inteiro.
Só alguns anos mais é que eu servi de intermediário inocente para a reconciliação familiar, resolvido a bem e a contento de todos.
O meu conflito com a tia-avó Amélia Caçote, tua irmã, é que nunca foi sanado!
Deves estar pelos cabelos, como é hábito dizer-se quando se está farto de aturar alguém, mas no nosso caso não sei se é aplicável uma vez que não sei se a alma tem cabelo e ainda não sei como se dá um abraço de despedida à alma, não sendo grave por não gostar de despedidas ficando assim, se estiveres de acordo
Um dia nos encontraremos e esquecidos deste encontro um pouco estranho, mas agradável: até sempre, avô Joaquim dos Reis Caçote!

Reis Caçote
Dig/13/01/13

  

                                                   

Sem comentários:

Enviar um comentário