domingo, 15 de outubro de 2017

POESIA MILITANTE-APELIDO...





APELIDO

Ao fim de tantos anos de procura
Incessante noite e dia
Pareceu-me ter conseguido
Finalmente
Após uma longa noite de insónia
A solução para violar
Definitivamente
A fanática rigidez da composição do meu nome:
                      Vou passar a nele incluir
                      A partir de agora
                      Homenagem tardia aminha Mãe
                      E a minha vontade também
O apelido de Caçote !

O ELEITO

Para festejar
               D’Aubusson
Sua vitória eleitoral
Fez uma festa ao contrário,
               Os foguetes não subiram
Desceram !...

SINOS OU ANJOS

Irei continuar a não ouvir
Os sinos das torres
E a estar atento
Aos suspiros dos anjos !

DEUSES

E por que não podemos ser
Um deus
De que se possa não gostar ?!

PARTE III



ALVORADA

Vou expulsar de vez
Esta sensação de tristeza de
Fim de tarde cinzento
Vestir meus olhos de cristais de orvalho
Para receber-te alegremente
No vestíbulo da noite
Edificar contigo
Uma alvorada de Alegria !

CANSADO

Despenteei teu cabelo
A escorrer pelas encostas da noite
Mesmo as madeixas de lua prateadas
Procurando tua boca com sabor a rio
Que beijei
Cansado
Ao amanhecer
Com a ternura fresca de meus lábios orvalhados!

SEPARAÇÃO

Ao fim do dia
Cansados
Decidiram inventariar seus bens:
                              Tinham-se apenas um ao outro !
Resolveram ali mesmo separar-se !

DE NOITE…AMAR

Quando na rua faço amor
Com a noite
Finjo bater palmas au guarda noturno
Para a manter acordada
                      Pela noite fora !

DELIRIO

No apogeu do delírio febril
Esticava-me na noite
Enorme
Tentando chegar ao Sol e
Pôr a roupa a enxugar
De suor frio ensopada
Do outro lado do mundo !...

EMERSÃO

Estou a ressuscitar
Nesta desesperada emersão
De voluntário afogamento
No oceano verde
De teus olhos multicores !

GRUTA DE FOGO

Deixa.me descer contigo
Essa gruta de fogo
Que ateámos
E onde nos perderemos
Quando nos encontrarmos !

BUSCAR-TE-EI …

Poderás não acreditar
Mas foi este meu último soluço.
Na procura de novas lágrimas
Talvez encontre a razão da alegria !
Buscar-te-ei então
Definitivamente
Ruborizado e trémulo
Como da primeira vez !

TEUS LÁBIOS

Quando a nave cósmica de
Teus lábios de pétala
Poisam nos meus
Despertam
               vibrantes e libertos
hinos  de esperança
Todas as orquestras
              síncronas
De meu corpo-universo!


POEMA DE JULHO

Existe agora
Esta sensação de queda
No escuro que vem
Com sabor a calafrio
Da raiz de minha incapacidade
De cortar os pulsos
Nas arestas do fogo que acendi
Em Julho
Debaixo de forte bátega de chuva, hoje de lágrimas
Que não deslizam !

IDADE PRIMAVERA

Mal tinha esboçado o gesto de espreguiçar
Um bocejo de sono leve e já vinha pelo ar
A borboleta sem corpo
                              apenas asas transparências
Maravilhosamente grandes
A arrastar a manhã colorida
                              de luz que meu leito invadiu
Fresco
De lençóis de folhas verdes
De margem de regato e
De idade primavera !


TEU VERBO

E …
No final do longo dia de luta dura
Cai a noite tristeza
Estendendo uma negra asa
Sobre teu corpo exausto.
Apenas sobre o corpo !
Mas …
A serena manhã de sempre
Continua no teu sorriso
Na tua sensibilidade
E no teu verbo.
       Que nenhuma asa negra
       De noite imerecida
Conseguiu alterar !


FLORES DE FEVEREIRO

São raras em Fevereiro
As flores !
               Mas num gesto de magia
               Em 11 de aniversário
               Sobre o primeiro bocejo matinal
               A natureza espalhou
               Pétalas brancas aos milhões
               Numa tentativa corajosa
               De mudança do cenário habitual.
Corajosa, simpática tentativa
               Mas frustrada
O acto anterior ainda continuava !

BUSCA NA NOITE

Pelos interstícios da noite cálida
De pirilampos no silêncio
Fui tacteando corpo
               que inventei…
Fresco e perfumado
A emergir das águas do rio
               calmo, sensual…misterioso.
Encontrei apenas
Bruscamente desperto pela dor
Provocada por afiada garra de silva
E sabor a sangue no dedo.
Insistirei em procurar-te
Em todas as noites de calor
E pirilampos no ar
Esteja ou não o dedo sarado…
Hei-de encontrar-te a emergir das águas !


ORIGINAL

No teu aniversário
               Original vai ser minha prenda !
Aquela estrela mais brilhante!...

LAGRIMAS


Lágrimas :
       Chuva salgada
       Tempero de alegria e dor
       Que não pode ser
Dos anjos ou das estátuas !

FRUSTRAÇÃO

Grande é agora a frustração
Do meu amigo e vizinho!
       Era apolítico.
A sua politica era o trabalho
               Fazia questão de recordar.
Era também contratado a prazo
               Para além de apolítico.
Na passada semana
               O contrato terminou
E o empregador não o renovou !

DESPEDIDA
Não houve exactamente um adeus !
Mas deixei de ver por momentos
               Com os olhos quase a se afogar
Nas lágrimas que não corriam !

O LAMENTO

Se soubesses poeta Grande
De sensibilidade infinita
O quanto sofro de incapacidade de
Ao menos contigo me parecer,
Certamente desculpa me pedirias!
               Mas ainda bem que não sabes
Enquanto sofro e procuro melhorar
Vou inventando
               As pedras e os musgos cobertos de flores
               As arvores vestidas de frutos
               E de pássaros
               Com a noite infestada de duendes
Que raivosamente afasto com o bico da lapiseira !


PROTESTO CANINO

E o cão ladrava   ladrava   furioso
Junto ao pedestal da nova estátua
Aguardando inauguração !
Será que também o cão não gosta do homenageado  ?!
               Ainda hoje não tenho a certeza

Se era gato escondido ou
Se seria mesmo rejeição canina!

Reis Caçote





POESIA MILITANTE




       

       POESIA  MILITANTE


FRIEZA
Dos olhos daquela criança
Que chora
Aparei cristalinas
De cada olho uma lágrima
Que coloquei nos teus olhos de estátua
Insensibilidade de pedra
Já que nunca tinhas chorado:
                      Nem lágrimas de criança se ajustam
                      Aos teus olhos!
Serão de vidro?!

ORATÓRIO
Atrás daquela janela
Está acesa uma vela
                      Não alumia um altar…!
Mas a fotografia de um militar!

EMIGRAÇÃO
Para terras de França partiu
Mais um irmão…
Como os outros clandestino
Analfabeto como os outros.
         Ficarei mais rico sempre que um irmão parte?!
Não!
         Como eles reneguei a herança
         Mas nunca partirei para terras de França.
Enquanto em mim residir a esperança
Não a apregoada na fé
Mas a na falta de fé idealizada
                      Em cada dia
                      Apenas de poentes
                      Que só a natureza
Se permite colorir!

DO HERÓI

Meu remo partido no lombo do mar
Meu coto de braço perdido na guerra
Meu resto de perna amputado de bomba
Meu olho a menos perdido na mata
Meu pensamento interrompido pela última explosão.
                      Coto de braço
                      Resto de perna
                      Olho a menos
                      Pensamento interrompido
Meu remo partido no lombo do mar
Sou o que resta de um Herói da guerra!

em ser operado!
A partir daí
Nos olhos e mãos do “ONU – NATO
Farto de frio
Farto de fome
                      Farto o frio de fome
                      Farta a fome de frio
Vietname !Paquistão !Biafra !
Discussões duras nas Brancas casas
               Sobre a fome de frio farta
               Sobre o frio de fome farto
Nas Casas Brancas discute-se duro
               Sobre as casas sem côr
                      Dos de fome fartos de frio
                      Dos de frio fartos de fome
A frio se discute duro nas Casas Brancas
Alçapões de consciências!
E do alto da vestida sabedoria branca
Brotou a negra sentença:
              
   Tens de pensar em ser operado!
Passei a ver só um bisturi!
               Grande demais para amputar
Minhas cordas vocais!

Mas aqui para nós:
                      Se tiver que ser operado
                      E gritar não for capaz
                      Virei à mesma p’rá rua
                      Com meu grito num cartaz!

Sempre que tiver razão
Lá estarei de cartaz na mão
                              Calarem-me é que não!

E se meu grito
Não couber num só cartaz
Gritarei em dois
E se preciso for escreverei,
                              Pela frente e por trás!

E se me cansar do cartaz
E continuar a ter razão
                              Como agora
Olharei para trás e
Num repelão        
                              Deitar-vos-ei a língua de for !
Não esperarei que m’a puxem
Nem ouvirei vosso palavrório
Como sucedeu naquele dia
                              No teu consultório!...

GUIA “TURISTICO”

Vedes além
Engravatado
Aquele homem parado ?
                              Não é um vadio
                              Um ocioso
                              É um “senhor deputado “ !
A atravessar a rua
Gordinho
De charuto na boca
E olhar sinistro?
                              Não é um assassino
                              Nem um cauteleiro
                              É um post-ministro!
Daquele lado
Com duas moletas
Em metal cromado?
                              Não teve um acidente
                              Veio da guerra
                              Era soldado!
Lá em cima
A meio da encosta
A luzir?
                              São telhados de barracas
                              De gente humilde
                              Para demolir!
E aquele todo sujo
De andar lento
E grande cifose?
                              Não é um desempregado
                              É um mineiro
                              De pulmão silicose!

PRIMAVERA

Dia 21 de Março…
Levantei-me cedo e fui acordar o Sol,
Tinha a intenção de em seguida ir
Escrever uma ode à Primavera !
Ruiu pela base o plano ao recordar o
Abate sistemático e organizado
De qualquer tipo de árvores e no lugar delas
Acumular toneladas de cimento e tijolos
Desequilibrando o sistema anterior.
É Primavera!... (e por aqui ficou o poema )
               Agora vou para a rua construí-la!..

A CARA DO ANGELO
Trazia no rosto o rubor e a alegria
Dos catorze anos incompletos
E da corrida do atraso para o jantar.
- Então que houve?!
                              Espontâneo! Alegre!
Estivemos a preparar uma insurreição!
- … ! Uma insurreição?!...!...!
Metemos pregos e fósforos em todas as fechaduras
                              Do prédio aqui ao lado!
Metemos na estrada aqueles ramos de oliveira
                              Que foram cortados há dias ao fundo da rua!
O atraso foi maior por andarmos à procura de um policia
                              Para o atropelarmos com as nossas bick !
Desculpa lá o atraso, mas tinha de ser! …
Posso ver o último telejornal?
…?!...
É só para ver a cara do Ângelo!


INVASÃO DO CIMENTO

Para silenciarem o coaxar das rãs no charco
Construíram de cimento um mausoléu
De oito filas de “gavetas”
A seguir à minha janela das traseiras
Roubando-me
               Insensatos   insensíveis
O pomar
O rio
O Sol
A Lua
Mas eu invento-os :
                      Com rãs no charco
                      E a espreitar pelas janelas !

PROMESSA
Fica a solene promessa
De contar todas as estrelas
Assim que desapareça a tristeza
Dos olhos das crianças!

OFERTA
Dentro em breve oferecer-te-ei
Naturalmente
Este jardim
Com rosas e pássaros coloridos
Poisados dentro dos teus olhos!

NO JARDIM PUBLICO
Esfreguei com força
Uma, duas três vezes osolhos.
Aquela imagem mantinha-se ali
Quieta
Provocatoriamente quieta
Ao Sol fraco de fim de Setembro.
               Sobre o banco do jardim
               Lado a lado abraçados
               Blusa e saia / casaco e calça.
No chão
Lado a lado também
Dois pares se sapatos
               Um de tamanho e modelo para homem
               Outro de tamanho e modelo para mulher.
Peça escultórica de escola impressionista!?
- Num jardim público?!
Aproximei-me mais e entre as calças e a saia
Num pequeno pedaço de papel “transparente “ li:
       Subimos ao céu mas pouco demoramos
Conservai nossos únicos bens!

FELIZES
Se às estátuas que enfeitam os jardins
Onde crescem as flores e árvores
               E a miséria
Perguntassem se eram felizes
Certamente ouviriam e veriam como eu
Um não plasmado nos seus lábios de musgo
E veriam lágrimas a pingar nos lagos!

CALMOS SONHOS
Belos e calmos serão vossos sonhos
Prolongados que são pelos profundos sonos
                      Quase intermináveis!
Eu mal durmo
Com cada vez maiores pesadelos!
Por isso me levanto cedo
E com vontade de me não deitar.
Prefiro estar acordado… sempre…
Mesmo na noite
Que alguns querem artificiosamente aumentar!
               Estar aqui fora ao Sol com outros
               Abrir novos espaços com outros
Para poisarem as pombas brancas que
                              Cansadas
                              Escorraçadas
Sobrevoam todo o Mundo!...

DIA DE NATAL
Seis anos de idade…talvez
Um metro de cidadão
Dentro de um arremedo de camisa
E dumas esburacadas calças
Que mal chegavam aos pés nús
Frios
Como esta manhã de 25 de Dezembro.
               De peito côncavo
               Esquivando-se ao frio
               De mãos nos bolsos vazios
               Fugindo ao frio
               Olhava:
                      O outro menino à sua frente parado.
Dirigiu-se a ele
De mãos frias nos bolsos vazios
Colocou seu pé nú
Ao lado da bota nova
                              Azul
                                     Do outro menino.
Espreitou
De um e outro lado
                      Será que sorriu ?!
Parecendo satisfeito com a análise.
                      Tirou uma das sujas mãos do buraco-bolso
                      Coçou sua cabecita suja num gesto-hábito   
                      Dos sempre em dificuldade,
E correu passeio adiante
Com o Natal nos olhos
Em busca de umas botas azuis!...
 Reis Caçote
   1968

E SE…
E se
       Um ministro do ultramar
       De Salazar
       Das guerras coloniais
       Fala em paz e democracia
Isso será demagogia?

E se
       Quando dás uma moeda
       Ao miúdo pedinte
       E lhe recomendas que é para um bolo
Isso não será o F.M.I.?!

E se
       Um desconhecido
       À mesa do café
       Vinte paus na mão
       Para uma bica de dez
       Optando entre receber o troco
       E o perder a camioneta
       Resolveu pagar o teu café
Isso é impulse ?!




               II PARTE
TROVOADA
O dia todo para lá do castelo
Fizeram-se e desfizeram-se
Velos de nuvens de lã branca
Que subiam…subiam
Com seus rostos deformados
E enormes narizes.

O Sol, farto daquele jogo de aparece-esconde
Desapareceu de vez por detrás da orada do Anjo.

E a avó Zéfa
Encolhida na sua quase cegueira
Parecia esperar pelos anos
E pelo fim
Dentro do seu xaile preto.

Baixo e prolongado
O primeiro arrastar dos móveis do céu
A seguir à luz do grande fósforo lá fora riscado.

- Aí a temos!
- Deus te guie!
A luz intensa e o ruído entraram atenuados
Pelos filtros dos ouvidos e olhos da avó Zéfa
               De rosário na mão
               Segurando entre dois dedos uma Ave-Maria segredada:
- Ave Maria
  Cheia de graça
  (baixinho)
   O Senhor é…
               Luz intensa a iluminar tudo
               Pelas frinchas da madeira da porta e da janela
               E pelos defeitos das telhas, num telhado sem forro.
BUMMMMMM!
- Santa Bárbara Bendita
  Que no Céu estás inscrita
  Com papel…
BUMMMMMMMMM!
- Ai valha-nos Deus!
- … Em papel e água benta…
E o garoto calado
A tentar entender tudo aquilo:
               A Santa Bárbara lá em cima
               Ao pé do campo da bola
               Fechada numa capela sem janelas
               Todo o ano até Setembro!
BUMMMMMM!
E nova faísca para lá do castelo
E a Santa Bárbara todo o ano prisioneira
Protectora das trovoadas
Nada de atender à frágil súplica da avó Zéfa!
       . Coitados dos que andam na lavoira!
       - Deus queira que não l’es aconteça nada!!!

RIO LIS
Suporto menos cada dia que passa
Essa tua indolência de boi castrado
A roçares-te, impotente
Pelas ervas e areias das tuas margens.

Com teu ventre pútrido
De escamas quase ausentes
E olhos turvos
Abandonas-te
Para o encontro sempre marcado
Com a quase moribunda
Outra parte da lenda.

Não tens o direito
Só porque os poetas te enlearam
Nas suas odes-feitiços
De quase insensivelmente deixares morrer
Sem protesto
Tua amante.
E sem protesto também
Para a morte te encaminhares!

Tens que acordar para a Vida
Nem que para tanto tenha de insultar-te !

Em vez de te entregares ao Mar
De sexo pendente e abandonado
Terás que recusar por algum tempo
Esse regaço de sal
E vires cá acima
Espumando de cansaço e raiva
Arrastando os salgueiros que ainda insistem
Vaidosos
Em pentear seus verdes cabelos
Mirando-se no espelho cada vez mais baço
Que estilhaçará
Como os frágeis diques
Que insistem em prender-te
Frágeis demais para deter tua revolta !
Ressuscitarás à passagem
Qual Messias que recusa ser cruxificado ao mar
Tua companheira de lenda
E abraçarás teus irmãos de caminhada
Anónimos
Restituindo-lhes a esperança
De te encontrarem como vivo irmão !

Se necessário…pede ajuda ao Mar !!!





Reis Caçote