DE MAGALHÃES a AVENTURA
I
Mal a noticia chegou, estava ainda a saborear-lhe a escorrência, assim como
a um gelado lambido à beira-mar, com o chocolate a deslisar da boca do cone em
direção ao vértice que o papel vai protegendo, quando o meu telefone, nem fixo,
nem móvel, tocou:
- Alo! É o Rosalvo!
Bastava o alô e sabia logo quem era! Estou a ouvir mal, mas não ao ponto de
não identificar uma voz, mais a mais sendo a tua.
- É distração minha, não te
chateies.
Então o que temos hoje? Inquiri.
- Não tás a ver as noticias?
Estou, e depois?
- Ouviste esta cena do Magalhães?
Claro que ouvi e ainda não estou em mim, tal o espanto!
- Quando podes arranjar um bocado de tempo p’rá gente hablar…? Eu estou de
férias, portante…
Eu vou estar de folga terça e quarta, mais a segunda porque uma colega do
part-time … (não rias, porra!) a quem substituí umas horas ara ela não faltar ao sazonal dos
casórios, vai trabalhar na segunda por mim.
- Boa, vou combinar com a Isabel e vamos até aí num desses dias, ou ambos
ou eu só.
Faz uma forcinha para ver se a Isabel vem! Ela também está de férias e os
miúdos já têm mimos que cheguem! Diz alguma coisa, entretanto.
- Ok. Até breve.
Passada cerca de uma hora, outra vez o telefone:
- É o alô! (risada dos dois lados do cordel)
Pois…!
- É só para dizer que vamos ambos, na terça-feira, a horas de jantar!
Jantas connosco?
Era o que faltava, não jantarmos juntos! Tens cada pergunta mais…
- Marca aí mesa para três…para mais dois e tu faz as contas: nós somos
dois. A Isabel anda radiante desde a noticia!
Também só ainda passou uma hora, ainda pode perder o entusiasmo! Ok, meu,
bota daí na terça, c’a gente vai jantar e gozar o nosso naco!
- Mas não te esqueças da cena da Páscoa!
Porra! Que real sacana! Pouco faltou p’ra nos pôr na rua a meio da
refeição!
- Vês! E foi por causa de uma merdice, a brincar, como se o nascimento de
Cristo e a Bula fossem tabus da Santa Madre! Mas é melhor prevenir, embora o
Jerónimo tenha cabedal e coirice suficientes para dar a volta por cima e se
alguém tivesse de ser posto no olho da rua, não eramos nós de certeza! Ainda
vai chegar a ministro da justiça, o Jerónimo!
- Ah! Ah! Ah! E o Quim Barreiros a presidente da república! Ah! Ah! Ah!
Vai p’ró diabo! Até terça. Dá um toque quando chegares.
- Certo, caríssimo!
II
O telefone tocou, na terça-feira, às dezoito, mais minuto, menos minuto.
- Já cá estamos! É cedo demais?
Não! Vou já ter convosco dentro de cinco minutos.
Até-que-enfim a D. Isabel deu à costa! Há quanto tempo!...
- É verdade! E bem me apetece fazer como vocês fazem, mas, como dizia a tua
Mãe: primeiro as obrigações e depois…
As devoções…! Quer com isto a professora Isabel dizer que as nossas farras
de má-língua fazem parte das nossas devoções?
- Eu, para ser franca, já nem sei se são parte ou o todo da vossa Teologia!
Eu já nem sei, se fiz bem os se fiz mal…!...
- Canta, canta, sabes bem que é verdade!
Teologia, hein! Altíssima Filosofia, é o que elas são! E sem escola! Tudo é
da nossa lavra, sem adubos ou pesticidas! Ah! Ah! Ah!
O Jerónimo é que por vezes desatina c’a gente, sobretudo quando vem à baila
a religião ou aquela cena do PREC!
- Do PREC?! Aquele período a seguir ao 11 de Março…?
Inzatamente. Isabelinha! O tal de Processo Revolucionário Em Curso!
- E qual é o problema do Jerónimo, se isso já lá vai há um século?! É de
século passado, pelo menos!
Só que eu, para o chatear, garanto-lhe que o PREC não acabou, como ele
pensa! É como disse o mestre da teoria “ nada se perde, tudo se transforma”,
mais ou menos isto, não é?
- É …?
Quando lhe digo que a coisa se transformou de Processo Revolucionário em
Reacionário Em Curso, o homem vira bicho! E só não me insulta porque, ou tem a
casa cheia de clientes e não quer que pensem mal e deixem de lá ir largar o “cacau”
ou porque o Rosalvo está presente, senão…não te digo nada! Mas um dia destes
ele passa-se, como quase sucedeu na Páscoa!
- O Rosalvo contou-me e, como é costume dizer-se “quem conta um conto…” e,
segundo ele, já estava a temer pela tua integridade física, e tal, e tal, tás a
ver?...
O teu esposo,…ele não está cá? Diz alguma coisa em tua defesa!
- Estou caladinho que nem rato para que ela oiça da tua boca aquilo que lhe
tenho contado, e que ela diz sempre: “lá estás tu com os teus exageros!”
Isabel, enquanto o teu maridinho não for para o céu…
- Lagarto, lagarto, lagarto! Nem quero pensar nisso, antes quero ir eu
primeiro!
…dizia eu que antes de ir para o…lagarto, lagarto, devia ir para os
bombeiros voluntários, pois para guarda-costas de algum figurão, não tem…não
tem nada!
- Alto lá! Que bocas são essas...?
Oh, Isabel, não tem aquele físico de ginásio, não anda bronzeado mesmo no
Inverno e sem pelos no peito, gosta de andar bem penteadinho em vez de rapar o
toutiço! E, sobretudo, não tem aquele ar de pitbull para manter o respeitinho!
- Ah, pois, estava a ver se tavas a mandar bocas foleiras!...
- Mas que conversa da treta, refila o Rosalvo. Daqui a pouco o Jerónimo
volta e pergunta se o jantar é para servir na esplanada!
Vamos lá ao jantarinho: quem come hoje a cabeça do pargo?
- A Isabel não; ficamos nós. Vamos sortear? Propõe o Rosalvo.
Não vale a pena, eu sei que até te pelas para descascar a cabeça do animal!
- Outra vez?! Refila a Isabel.
- Não ligues, acalma o Rosalvo! Este tipo é incorrigível, está sempre a
provocar e depois…fica a contas com o Jerónimo! E qualquer dia não é só com o
Jerónimo! Eu já não ligo, conheço-o de ginjeira!
III
O Jerónimo entra em cena, sorriso largo, de orelha-a-orelha como se diz é
mais condizente com a realidade!
- Como tem passado, Dona Isabel? Há quanto tempo não nos visitava! Está com
ótimo aspeto! E os meninos, como vão?
- Agora é a neta quem dá que fazer, os filhos já se governam sozinhos.
- Que idade tem a netinha? Pergunta o Jerónimo, sorridente.
- Vai este ano para a escola, fez seis anos.
- Então vai já estrear o Magalhães!
…Risos…
- Vocês combinaram isto!? Só pode ser, conclui a Isabel.
Palavra de honra que não! É ou não verdade, Jerónimo?
- O quê? Jerónimo com ar sonso.
Eu depois explico; vamos ao pargo; podes trazer a pinga e recomenda lá na
cozinha que deixem apurar bem a cebola e o tomate!
- Obrigado pela recomendação; como se o Mário o tirasse do forno sem estar
no ponto!
- Mas ele sabia ou não, que o principal motivo deste jantar era o nosso
bem-amado Magalhães?
Não, Isabel! Toda a gente comenta o caso: “galinha gorda por pouco
dinheiro”, dizem uns; outros temem que seja mais uma aldrabice deste
primeiro-ministro, tal como a dos cento e cinquenta mil empregos, a que alguns preferem
chamar “sinistro”, da sociedade do conhecimento, etc., etc., etc. E o Jerónimo,
que faz questão de também ter sua opinião, alicerçada na síntese das mais
diversas opiniões dos clientes, que sempre vai ouvindo, quer quando estão
sóbrios, quer depois, quando estão com o “grão na asa”! Está mais atualizado,
de certeza, do que nós estaremos hoje e amanhã! Ele conhece também a minha, mas
confessa que é aquela que menos conta; pensa que todas as versões conhecidas, a
minha é a mais aldrabada e é capaz de ter razão. A cabeça do Jerónimo deve
estar um caos!
- Eu imagino, concorda a Isabel, rindo. Que volta lhe deste? Pergunta a
Isabel, sorrindo, curiosa.
Eu já nem sei, confesso. Foi tanta coisa! Recordo que, sobre o Fernão não
avacalhei nada, garanto, até gosto do Fernão, não sei porquê, mas dele foi em
último lugar que falei! Antes do Fernão lembrei-me destes:
Um tenente Magalhães, da arma de artilharia, com quem me cruzei em Vendas
Novas, durante o período que ali passei e que andava pelos lugares cimeiros no
ranking militar do tiro com pistola e dos sustos que pregava aos amigos dele,
distraídos, quando disparava a arma nas costas de algum, mas com a certeza de
que não haveria acidente por ter ensaiado vezes sem conta a capacidade de
penetração da bala num livro que ele depois colocava entre as costas do
escolhido e a boca da arma, nunca deixando de pregar brutais sustos nas
pessoas. A mim terá feito passar, durante os exercícios finais de campo,
algures na Serra da Adiça, um turno de sentinela a partir da meia-noite, sob
grande tensão, por ter sido posto a circular, ensaiando tiques da guerra
subversiva, que o tenente da pistola e uma secção sob o seu comando, iriam
passar o cordão de segurança e tomar de assalto o acampamento e respetivo
comando! Devem ter visto nalgum filme e queriam imitar, mas acabou por nada
suceder!
… O outro foi o inigualável furriel amanuense, Nelson Magalhães, colega ou
camarada, como na tropa se quase exige, no Pelotão de Comando e Serviços de que
ambos fizemos parte e de pensão e quarto durante os vinte e sete meses de
Luanda. Tartamudo congénito, com seu pac-pac inicial antecipava qualquer
discurso, mas que ele já não ligava e a nós continuava a divertir: pac-pac uma
merda,vê lá se falas!
A Isabel ria de boca fechada, vermelha que nem pimentão e o Rosalvo, já
conhecedor da história (ou estória?), acompanhava à viola! Gente doida!
… Um terceiro, artista por vocação e escultor em madeira por obrigação
financeira, apareceu-me na Marinha Grande, aí pelos idos anos oitenta e nove do
séc. XX, cabelo e barba à maneira, a condizer com a sua condição de artista,
grandes e sempre mal tratados, para ele em liberdade, talvez aparados de seis
em seis meses, mas só se houvesse dinheiro. O Henrique Magalhães, assim era seu
nome e por ele soube, entretanto meu vizinho ou eu vizinho dele, pois ele já
por ali andava, pela Guarda Nova, há não sei quantos anos quando eu para lá fui
morar.
Logo no primeiro encontro conclui que ele sabia já mais de mim do que eu
próprio sabia, o que achei espantoso e de mim fiquei por ele a saber um bom
naco nesse dia.
Era um incondicional da cerveja, desde o jejum até aterrar de “cansaço”, ao
fim do dia, bebida sempre em pé, cotovelo no balcão, até se lhe acabar o
“graveto”; e as que levava para casa, para acabar as esculturas, dizia ele,
eram já a crédito que nem sempre conseguia liquidar no prazo de precisar
reabastecer-se, mudava de “tasqueiro” – fornecedor – quase todas as semanas,
que só retomava quando vendia, ao desbarato, um alto-relevo do Benfica, do
Sporting ou do Porto, esculpidos sobre pedaços de madeira de qualquer tipo que
ia comprando, muitas vezes a crédito também, nas serrações vizinhas. Eram
lombadas de troncos que não tinham qualquer valor para a indústria de móveis ou
mesmo na construção civil.
Morava nas traseiras duma casinha térrea da Rua da Guiné, igual a tantas
outras daquele bairro de operários da indústria do vidro, onde se chegava por
um estreito corredor formado pela parede da casa de habitação e um muro que
servia para demarcar o espaço que era duma propriedade e da do confinante do
outro. O tugúrio era uma pequena cozinha que a maioria das casas das casas
antigas, da hoje cidade da Marinha Grande, habitualmente tinha e onde eram
confecionadas as refeições e assim preservar limpa a habitação propriamente
dita.
A porta de entrada no espaço habitacional, cozinha e oficina, era em chapa
metálica, pintada com tinta castanha, com frestas em cima e em baixo, tendo a
meia altura, pintado a branco, do lado de fora e em letras “garrafais” o
epitáfio
AQUI
JAZ
HENRIQUE MAGALHÃES
Parte do meu escasso mobiliário, quando deixei a Marinha Grande, ficou em
casa deste “jazente” Henrique Magalhães, de aventuras menos históricas que as
do seu conhecido Fernão; mas posso garantir que as do ido Fernão em nada se
irão comparar às que aí vêm, com o novo Magalhães, não ainda da história, mas
de estórias, quase delirantes algumas, é já protagonista.
- Está a cheirar-me que sim, concorda a Isabel.
Eis que chega o Jerónimo!
IV
- Posso servir? Pergunta o sorriso do Jerónimo.
- Venha ele, responde o Rosalvo, referindo-se ao Pargo. O Magalhães fica
para a sobremesa!
- Vocês são um desastre! Isabel a fingir de zangada.
- Se nos acompanhares mais vezes não vais aprender nada, mas de certeza não
morres de tédio, garante o Rosalvo à Isabel.
Hummmm…que cheirinho! Quem é amigo, oh Isabel? Lá pela capital já não se
come disto! No meu tempo sim: que divinais caldeiradas cozinhava o Octávio,
estivador por necessidade e pegador de toiros, dizia ele e eu não tinha motivo
para duvidar, por orgulho de ser “marialva” e amante da festa brava! Lá, no
Largo de Santa Bárbara, a padroeira das trovoadas, é que o meu “requintado”
paladar, especializado no pão com azeitonas ou com figos e de vez em quando uma
patanisca de bacalhau crú e bem salgado ou uma sardinha assada na labareda,
dizia eu que foi lá que o meu paladar começou a deteriorar-se; o que ficou de
requinte foi levado ou lavado pelo gindungo dos camarões em Luanda! Amém!
- Oh Jerónimo, não te esqueças do pratinho para as espinhas, lembra o
Rosalvo.
- Aqui está o pratinho, senhor Rosalvo!
E agora, queridos amigos, vamos celebrar, caladinhos, a mestria do mestre
Mário! Certo?
- Mas isto é sempre assim? Pergunta a Isabel.
- Não, por vezes o pargo é mais pequeno! Ri alto o Rosalvo…
- É impossível falar convosco! Refila a Isabel fingindo amuo.
Oh Isabel, come devagarinho e cuidado com as espinhas! Precisamos do teu
saber para a sobremesa!
V
Os clientes foram saindo, alguns olhando de soslaio para a nossa mesa e a
fazerem comentários em voz baixa de modo que não ouvíamos, melhor, não
percebíamos, mas não aparentavam estar zangados, antes pelo contrário. E se
estivessem zangados nós não ligávamos, mesmo que um ou outro fosse deselegante.
- Que especialidade de peixe! Comenta a Isabel. Que segredo terá o Mário
p’ra ficar esta delícia?!
Ele vai gostar de saber do teu elogio, até porque ele se esmera quando nós
vimos almoçar ou jantar! Mas a resposta, quase posso garantir, vai ser a mesma:
Não há segredos; um bom peixe, os temperos habituais e o tempo certo e
temperatura do forno. Costuma acrescentar- a boa disposição e bom gosto de quem
o come é o melhor dos segredos!
- Filósofo, este Mário! Comenta a Isabel.
- Teólogo, acrescenta o Jerónimo! Para ele fazer o pargo no forno é como o
bispo a presidir à eucaristia!
- Este Jerónimo!...Esperto é também o cozinheiro! Concorda a Isabel.
- A sobremesa, se não preferirem outra, sugiro o pudim à Mário.
- Eu quero o pudim! Nunca mais esqueci tal iguaria!
Pudim para todos, Jerónimo.
V
Segundo me constou, tu, Isabel, andas excitadíssima com o Magalhães!
- Exagero! Excitadíssimo anda o primo-ministro e, quase tanto como ele,
anda a Rita, desde que lhe disseram que os meninos e meninas que vão entrar
para a escola, irão receber um computador pequenino. Quem não parece tão
entusiasmada é a vizinha do quinto esquerdo, que dá aulas na escola lá do
bairro. Que vai ser um elemento mais de desassossego a perturbar o fraco
equilíbrio das aulas. Uma professora minha conhecida, com muitos anos de ensino
está céptica, mas revela preocupação com o que possa suceder! Diz que em
algumas turmas é mais que certo ir haver problemas.
Estou a imaginar os miúdos, em grupo, de mochila às costas, Mp 3 à cintura
e auscultadores nos ouvidos, numa das mãos o telemóvel e na outra mão o
Magalhães! Deve ser o máximo! Digno de ser visto, conjectura a Isabel.
Consta lá na capital que, um letrista de canções, vai apresentar ao Carlos
do Carmo uma nova versão da letra do famoso fado “Os Putos”, em que altera,
entre outros, aquele verso
“São como
bandos de pardais à solta”
Para outra versão, mais contemporânea e que seria
“São como
bandos de anormais à solta”
Mas alguém preveniu o letrista que não contasse com o Carlos do Carmo para
permitir tal adulteração, conhecendo-se, como se conhece, a integridade
intelectual e artística do fadista. Consta mesmo que ele terá comentado, quando
tal lhe chegou aos ouvidos, que os putos de que ele fala não estão atacados por
esse vírus de “sabedoria” que aí grassa e ameaça fazer mossa até que seja
travado por uma qualquer vacina.
Oh Isabel, mas que a coisa tem o seu quê de anedótico, lá isso tem! E
sobretudo por parecer mais “filha” do nosso engenheiro primo-ministro do que da
Maria de Lurdes, da educação agitadora!
- Nem tinha reparado nesse pormenor, ó Silvério!
Deve ser p’ró currículo do grande-educador José Sócrates! É que do seu,
como engenheiro civil, que se saiba, só ficou a constar a implosão das Torres
de Tróia que ele ofereceu ao Belmiro do Continente e que terá tido como
condição de o deixar a ele carregar no manípulo do comutador! O Belmiro aceitou
a proposta e ainda lhe terá dado um euro p’ra recordação!
VI
- Já cá faltava essa! Salta o Jerónimo, de garrafa de bagaço na mão. Tinham
que complicar as coisas, que estavam a correr tão bem!
É isto, Isabel. Este Jerónimo, não porque seja um convicto situacionista,
que o não é, mas tem dias assim: não gosta que se critique ninguém, muito menos
o primeiro! É platónica a paixão que ele nutre pela personagem!
- Não é paixão e muito menos platónica; já basta de ligações filosóficas
entre os antigos sábios! Resmunga o Jerónimo.
Então conta lá, caro Jerónimo, o que te vai nessa alma de marinheiro que, de
tanto mar enjoado se ficou pela restauração, de que todos nós beneficiamos?!
- Tivemos ou não um navegador de talento e coragem chamado Fernão de
Magalhães?
Certo, caro Jerónimo, mas ao serviço de outra Coroa que não a dele!
- Não interessa qual a Coroa que financiou a viagem, o talento e coragem
eram dele, Magalhães! Quem nega isso? Quase grita o Jerónimo.
- Ou seja – Isabel no uso da palavra – o que conta é o feito, não o efeito!
É assim, Jerónimo?
- Nem mais – aquiesceu o Jerónimo já mais calmo.
- Se bem concluo – volta a Isabel – o que interessa é que o Magalhães
chegue aos piquenos e não importa quem o fornece e quem vai pagar a fatura!
-É fácil, diz ufano o Jerónimo! O que os putos querem é teclar, tal como os
mais velhos fazem, querem lá saber o que da tecla resulta, quem fez o aborto e
quem o pagou!
- E aprender? Pergunta a Isabel a fingir irritação.
- Qual aprender, qual carapuça! Mas onde é que já se viu que um miúdo de
seis ou sete anos queira aprender alguma coisa?! Ele aprende e não precisa de
saber porquê, nem como!
- Bem visto, ó Jerónimo! Venha o Magalhães e o resto fica para depois.
Vamos pôr os catraios a correr o Mundo, por terra, mar e ar e bem depressa, não
interessa que mundo seja, o Magalhães também não sabia! Despachou o Rosalvo até
ali caladinho.
- E que viva o Magalhães XXI – aplaude a Isabel.
Só mais um cheirinho, ó Jerónimo, cá p’rá gente e traga o seu copinho
À
saúde do Magalhães!
Reis Caçote
Set./2010
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