quinta-feira, 12 de abril de 2018

A Siria e seus amigos e inimigos!

Universina D'Elia Branco Coutinho O objetivo é destruir a soberania da Síria! Para dispor livremente dos seus recursos naturais e ter regimes submissos aos planos estratégicos para a região de parte das grandes potências ocidentais + Israel.
Gerir
Surpresa
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Jose Cacote Essa manobra é apenas tática, mas a estratégia, não deste tresloucado ser que hoje manda no mais perigoso, mais sobranceira, mais carniceiro, mas de tudo o que por detrás dele se perfila, o poder dos grandes senhores das armas, dos petroleos que de armas dizem precisar para o defender, sendo mais fácil gerir sua ambições incomensurável, se o estado americano montar as suas bases e mandar onde elas se instalam! Qual é hoje a área dos EE UU? Alguem com tempo e sabedoria que faça uma estatística e verá, sem surpresa para quem domina o meio, que é maior cá fora do que lá dentro! E quer ser mais e maior! Para isso se servem dos que vão colocando como vedetas, quanto mais desconcertantes possível, para que os diabolizados meis de comunicação se distraiam, mesmo que digam mal! O que interessa é que não digam ao mundo o que o mundo precisa de saber!
Desculpai este tempo que vos tomei, referindo-me a quem ler! Bom resto de semana!

Diz-se ser grego e que venceu não sei quantos turcos! É ou não suspeito! Um País que ficou reduzido à dua pequena dimensão, quando foi, com o Egipto e a Mesopotamia o marco da cultura ocidental! O que sucedeu aos outros, espoliados, saqueados, tudo em nome de "Assim Deus proteja a América!
Gerir
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Condors of Colca Canyon, Peru April 8, 2016

SIBERIA Crawler MONSTER OFF ROAD EXTREME BEST

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

TEMPOS DE ANGOLA - PROSA


ALGUM ESPAÇO TERIA QUE SER DESTINADO AO PERIODO DE PERMANÊNCIA EM ANGOLA - JULHO DE 1961 A OUTUBRO DE 1963, RICO EM EXPERIÊNCIAS! COMEÇANDO PELA CHEGADA:

Agradecemos por despenderes tempo no envio dest


                                   CHEGADA A ANGOLA

                                                 I

                
                                  


O monstro marinho que nos engoliu em Lisboa na manhã de vinte e oito de Junho de mil novecentos e sessenta e um, após dias e noites consecutivos de difícil digestão, vomitou-nos em Luanda, na madrugada de seis de Julho.
Seríamos cerca de dois mil e quinhentos, num espaço concebido para mil e quinhentos! Para que o "milagre" fosse possível, os porões foram transformados em camaratas, de catres dimensionados para o corpo de um individuo de estatura mediana; devido a essa economia espacial alguns mais compridos, a altura é para os que estão em pé, ficavam com os pés de fora a atravessar a passagem mínima, a fingir de corredor, e outros em que as adiposidades sobravam para os camaradas que moravam nos tabuleiros dos lados.
Ao segundo dia de viagem era já sórdido o espaço dos porões, onde mil milionários, em cruzeiro de mar, foram metidos; a mistura de aromas, ácidos e nauseabundos, do vomitado, vinha de todos os lados daquela fossa sem ar renovado, situados muito abaixo da linha de água, com tudo o que se parecesse com saneamento entupido e a escorrer para o pavimento, não preparado para acomodar pessoas, mas sim mercadorias, ou seja a carga.
Muitos não conseguiam sequer sair da tarimba, tal era o seu estado de prostração, depois de dias seguidos a não conseguir parar o vómito do nada que havia no estômago! Talvez as glândulas, mesmo que não estimuladas, produzissem algum suco gástrico, que aumentaria a rejeição pelo estômago vazio. Os que conseguiam levantar-se, invadiam tudo o que fosse espaço fora daquele antro de podridão, ficando para ali estiraçados, horas a fio, sem forças nem vontade para voltarem ao vomitado espaço.
O espetáculo era deprimente! Os filhos dos navegadores que deram novos mundos ao mundo, ali derrotados aos primeiros baldões do monstro.

Esta situação de caos era vivida sobretudo pelos soldados e cabos. Os oficiais estavam lá no alto, na primeira classe e os sargentos na segunda, enlatados entre o vómito e a festa, se festa houvesse! Havia mais conforto; os soldados tarimbados, os sargentos belichados e os oficiais deviam ter espaços mais confortáveis, não sei, não vi, mas não acredito que os camarotes, antes destinados a casais, não fossem agora ocupados por dois oficiais! O raciocínio que faço tem a ver com a minha própria situação durante a viagem: sabemos todos que a hierarquia funciona, tanto na vida dos civis como na dos militares, estes identificados com as insígnias respetivas, na vida civil deve ser traduzida pela forma do seu comportamento, ora pelo seu meio de transporte, de sua habitação e do seu modus vi vendi geral.
Quer na classe dita civil, quer na militar, as classes são bem definidas, foram-no em todas as épocas. Por isso, quando alguém falou em luta de classes não estava a criar uma nova forma de vida, era com o desfecho dessa luta que a forma de vida será criada.




                                      

                              
Dentro de cada classe militar há a hierarquia e dentro de cada estrato funciona a antiguidade, talvez por isso se diga, quase sempre ironizando, que a antiguidade é um posto! Este pormenor da antiguidade foi aqui abordado para denunciar o que comigo ocorreu, sem que para tal tenha contribuído.

                                          
O camarote que me foi destinado, situado junto à proa, tinha duas camas individuais, roupeiro, telefone e um grande espelho, e mesa com gavetas, tapete que cobria quase todo o chão disponível do camarote! Eram os da classe turística, não sei mais para explicar por que tinha essa distinção, uma vez que um paquete devia ser para transportar turistas e só por força da guerra, ia atestado de militares.
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Para o mesmo camarote foi destinado o furriel Magalhães, amanuense, segundo soubemos depois, por que o segundo sargento Sousa não tinha embarcado, por motivos de doença; o primeiro-sargento Botelho e o furriel Figueiredo ocuparam o outro em frente, que devia ser igual, mas que nunca cheguei a ver.
O Pelotão de Comando e Serviços, cento e cinquenta e sete era formado por vinte e um elementos, sendo eu o único da Arma de Artilharia, com a especialização de munições e a função era, ou seria, organizar o paiol das munições e fazer o reabastecimento das três baterias que compunham o Regimento: as cento e quarenta e cinco, quarenta e seis e quarenta e sete.
Depressa nos apercebemos que o camarote iria ser um ponto de reunião dos camaradas que frequentaram o mesmo Curso de Sargentos Milicianos, em Vendas Novas, na Escola Prática de Artilharia, alguns da especialidade de munições, teoricamente ministrado por três oficiais, no Regimento de Artilharia Pesada, numero um, em Sacavém e outros meus conterrâneos, como era o caso do Aníbal Albuquerque Soares, colega na Escola Primária de Castelo Melhor, que entre nós o tratávamos por Aníbal de Foz Côa, certamente por ali ter morado com os Pais, antes da separação destes; esteve a morar em casa do tio, o senhor Cassiano de Albuquerque, meu padrinho de batismo.
O Aníbal deve ter estudado no Porto, porque não mais o vi, depois de ele deixar Castelo Melhor e eu ir para Lisboa trabalhar. Como tinha uma constituição física bem desenvolvida deve ter escolhido a modalidade da ginástica de forças combinadas, sendo ele o base e o volante, que também seguia no mesmo “carregamento” a Vera Cruz. Deve ter iniciado pelo Culturismo e passado para a modalidade mais consentânea com a sua compleição física, pois tinha um desenvolvimento muscular bem marcado, mas isto não passa de dedução minha, que também ensaiei o culturismo em Leiria, mas só durante uns três meses, quando estive em Leiria, antes de ser mobilizado para defender a Pátria, pois então!
Uma das noites em que o Araújo, camarada do Curso em Vendas Novas e depois em Sacavém, foi fazer uma visita ao meu camarote e levando uma garrafa de aguardente para entreter a conversa ou, como ele gostava de dizer, lubrificar a goela, viu os elásticos do Aníbal que, desde que nos encontrámos no Vera Cruz, ficavam sempre no meu espaço, por ser mais seguro que a camarata e ser ali que ele ia aquecer a massa muscular nos dias em que o tempo ou o mar não permitiam tal ao ar livre, atirou-se a eles, aos elásticos como se tivesse recebido uma bicicleta no Natal!
Araújo, não abuses, recomendou o Aníbal, senão não vais sentir os efeitos a partir de amanhã! O Araújo continuou nas suas repetições e comentando: qual o quê, tu só tens é físico, mas eu sou do Porto e não temo as consequências!
Tal como previsto, nos dias seguintes não assistimos às sessões de ginásio do Araújo! E quando no restaurante ele se queixava, bastava simular um soco no estômago para ele se encolher e dizer uma quantidade de palavrões dirigidos aos elásticos, a quem os inventou e a mim por os ter no camarote! Era uma festa, toda a periferia da nossa mesa ria connosco e assim esqueciam para onde íamos.
Se ao Aníbal não mais vi, ao Araújo voltei a cruzar-me com ele em Setembro desse mesmo ano, quando estive destacado na Bateria cento e quarenta e sete, comandada pelo capitão Virtuoso, no início da Operação Esmeralda, a da tomada da Pedra Verde, daí o nome da Operação! Foi no aeródromo do Ucué, a terra do Sisal e também das madeiras. Era o Araújo que conheci, sempre divertido e sarcástico fosse qual fosse a situação! Dele voltarei a falar, quando tratar aqueles dias da “guerra”; por agora lhe desejo que tenha organizado sua vida e ande lá pelo seu Puerto e pelo Dragon, como ele pronunciaria e continue divertido e a divertir os que com ele convivam.


                                                           II


No dia seis de Julho, de madrugada, notei que o ruído abafado dos motores era agora diferente, mais baixo e por isso menos audível; momentos havia em que não se ouvia. Suspeitei que devíamos estar perto de Angola, de Luanda, mas era apenas presunção, porque informação não havia.
Quando o dia clareou, ainda bem cedo, o monstro, já parado, estava inclinado para um dos lados. Abri a porta do camarote e vi no corredor daquele lado, uma azáfama de fardas, como formigas gigantes em direção ao formigueiro ou a afastarem-se dele. Vesti-me às pressas e juntei-me à “procissão”, não sem antes recomendar ao Magalhães, sempre com a inalterável calma, que não se esquecesse de fechar o camarote se decidisse ir espreitar.
Dirigi-me, naturalmente, para o lado   Da inclinação do navio. Todos os espaços na amurada estavam sobrelotados e até nos salva-vidas havia fardas a espreitar! Estávamos noutro Continente, mas no mesmo Oceano. E o que havia para ver? Um espaço, bastante grande, entre o costado do Vera Cruz e os edifícios do porto de Luanda, onde estavam empilhados uns milhares de sacos, enfarinhados de cor esbranquiçada, de onde devia sair um cheiro forte e pouco agradável, que alguém identificou como farinha de peixe.
Como não havia movimento algum, fiquei sem perceber se tinha chegado ao destino ou se teríamos feito escala antes do porto de Luanda.
Sentado sobre uma das pilhas de sacos, estava um africano, quase da cor dos sacos, tronco nu, descalço, apenas um calção vestido e que, tal como a pele, se confundia com a cor da farinha que antes, ele e outros, deviam ter estado a movimentar, antes da nossa chegada. Devia tratar-se de uma paragem imprevista do trabalho, pois um pouco mais adiante, andando vagarosamente e com ar contrafeito, um branco, de caqui claro e chapéu colonial, parecia aguardar também. No cinto, uma pistola, dentro do coldre.
Foi esta a visão inicial da capital de Angola!
O tempo foi decorrendo e, perto das dez horas, a uns duzentos metros de distância, fundeou o Príncipe Perfeito, na sua viagem inaugural, também ele sobrelotado de militares, alguns para ficarem em Luanda e a maioria seguiria para a costa oriental, para Moçambique, segundo soubemos depois. No paquete que fazia sua primeira de tantas outras viagens, seguiam militares, nomeadamente furriéis milicianos, que tinham negociado a troca com colegas que estavam a desembarcar do Vera Cruz, tendo o negócio permitido uma margem de tempo de duas ou três horas. Não valeu a pena a troca, mesmo que fossem para Moçambique, onde as coisas estavam ainda pouco complicadas.
Tal troca também me foi proposta em mais que uma ocasião, mas sempre recusei as propostas, talvez por que o “Arcanjo Gabriel”, habitualmente de mim esquecido, me sussurrou ao ouvido: “não faças negócios com coisas que tenham a ver com a guerra!” Ou por influência angelical ou por mero acaso, só fui mobilizado quando a arma de Artilharia avançou para Angola. Tal como foi já frisado antes, integrei o primeiro contingente de artilharia ligeira, no Pelotão de Comando e Serviços número cento e cinquenta e sete, como responsável pela manutenção e reabastecimento de munições, função apenas uma vez praticada. Lá chegaremos!
Nunca percebi, nem fiz alguma tentativa para perceber, perguntando, quem organizou o desfile de mil e quinhentos homens. De diversas unidades e pelo menos duas armas, a de Infantaria e a de Artilharia. Mas que alguém o fez e com rigor militar, não restam dúvidas, cerca das dez e trinta, já marchávamos pela avenida marginal, com a baía ali ao pé, do lado direito e mais ao longe, como continuação do desenho ovalizado, uma faixa de terra, com algumas casas e árvores, era a Ilha do Cabo, soube mais tarde.
À esquerda os prédios, de vários pisos, com muitas das varandas adornadas com colchas de várias cores e padrões, à semelhança da minha aldeia, por onde a procissão da Senhora do Rosário passava, durante a festa anual em seu louvor.
Quase todas as varandas tinham pessoas que aplaudiam os novos defensores de Angola. E nos passeios também, algumas centenas de pessoas aplaudiam, de certeza nem todos com o mesmo entusiasmo e convicção, mas isso não tinha grande importância, muito menos naquela altura.
Chegámos em plena época do cacimbo, soube depois que ocorria de Maio a Setembro; a outra era designada pela estação das chuvas.
O Sol não se via, mas o calor era intenso, não tanto pela temperatura elevada, mas sim pela muita humidade do ar e a ausência de vento. Eu nunca tinha entrado numa sauna, mas do que tenho visto sobre saunas, seria este o ambiente de ma gigantesca.
E para que me não esqueça, fica registado que, em Luanda, nunca vi um céu azul e um Sol brilhante, durante os vinte e sete meses que ali permaneci.
A certa altura o desfile, desarmado, parou. Não recordo, com tanta novidade a fixar, se o pequeno pelotão de Comando a que eu pertencia, era o que encabeçava o desfile; do que me lembro é de que à nossa frente havia um espaço razoável e nele circulava um miúdo, negro, apregoando os gelados que trazia numa caixa a tiracolo: “ o rajá fresquinho, quem quer o rajá!”; como a sede era grande, comprei e paguei um gelado que mal o meti na boca aparece o capitão Calixto que, com ar grave e ordem firme, me mandou deitar fora o gelado. E assim ficou registado, no meu cadastro mental, o primeiro incidente africano. Outros viriam. Muitos!
Quando acharam, os que tinham esse poder, deram por terminada a parada e mandaram-nos subir para camiões, uma boa parte deles de caixa aberta, cada um levando a sua bagagem individual e eu muita curiosidade. Contornámos Luanda, quase deserta, em direção a uma zona já no limite da cidade, com vivendas de classe média do lado esquerdo e do direito uma extensão de terreno, com o capim mal cortado.
Parámos junto a um edifício inacabado, de dois pisos, rés-do-chão e primeiro e quase em frente, do lado direito da estrada, um cemitério.
Soube, nesse primeiro dia, que o edifício inacabado seria o futuro laboratório químico da Petrangol e no cemitério em frente, meses antes, durante um funeral de uns policias, que terão sido mortos durante o tiroteio do levantamento de quatro de Fevereiro, teria havido uma escaramuça.
Pormenores não havia, ou por que desconhecidos ou porque seriam apenas do domínio de alguns e falar deles seria desaconselhado.
O cemitério era movimentado e muitas vezes, ou sempre, não afirmo, a urna era coberta pela bandeira portuguesa e havia salvas de tiros de espingarda.
Pelo espaço do laboratório, que não foi, nós nos fomos instalando, pelo menos o pessoal do Pelotão de Comando e uma das três baterias.
A ideia que ficou é que para a primeira noite não se arranjavam mantas para ninguém, mas no primeiro piso, de um dos lados, destinado à classe de sargentos, era um salão grande, com enxergas de lona, encostadas umas às outras, assentes no pavimento que era em cimento, apenas afagado. Para se chegar às do fundo, onde iria ser construída uma lareira, tinha de passar-se por cima das outras, eram um tapete de enxergas, com areia trazida pelas botas que a iam trazendo do chão inacabado.
A decisão foi a de dormir vestidos. E assim se fez, sem grandes resultados no que toca a dormir, por que, mal parámos para dormir e até mesmo antes de pararmos, fomos atacados por uma densa e esfomeada esquadrilha de melgas que não nos deu tréguas a noite inteira.
Para aquela gigantesca esquadrilha de insetos, nós devemos ter sido uma bênção que o deus dos mosquitos lhes deve ter preparado e eles, como pagamento antecipado da refeição, ofereceram-nos um concerto de violino que não soubemos agradecer. Pelo contrário, resistimos como pudemos ao cerrado ataque, causando centenas de baixas que parecia ressuscitar de imediato e retomavam o ataque, porque não nos apercebemos de que amainasse em número e agressividade! E, assim, fomos um inesperado banquete para aquele enorme grupo de melgas de África.
Só com o alvorecer é que o ataque amainou! A noite foi toda ela de vigília, sem intervalos! Posso afirmar hoje, distanciado dezenas de anos, que foi o mais violento ataque de que fui uma das vitimas, em todo o tempo de campanha de Angola. O mais feroz, mas não o que mais me assustou, fique claro.
Os inacabados edifícios que nos hospedaram na noite de núpcias da guerra ficavam, como terei dito antes, para lá da última vivenda que, do lado esquerdo da estrada que vai para Catete se alinhavam, todas iguais e abandonadas, ou melhor, desabitadas.
Em frente era o tal cemitério, última morada dos que, por um ou outro motivo, se foram distanciando da guerra e da vida. Nas traseiras dos edifícios estendia-se um campo plano, com capim rasteiro e ressequido e um pouco mais adiante era o aglomerado de cubatas de um dos musseques que envolviam toda a cidade, exceto a frente para a baía e o mar. Estes aglomerados de pequeníssimas construções, habitadas apenas por africanos, mudavam de nome, mas as fronteiras não estavam definidas para quem não conhecesse o meio.
Como estávamos em território de guerra, o Comando decidiu que devia ser organizado um sistema mínimo de segurança, com sentinelas e um piquete para fazer rondas de duas em duas horas.
Ficou por dizer que, ainda no Vera Cruz, oficiais e sargentos tomaram contacto com uma nova arma que iria ser distribuída aos operacionais, a pistola-metralhadora UZI, de origem israelita.
Durante a primeira noite, a segurança montada, já incluía o piquete e o oficial e sargentos iriam já armados com essa arma, sendo distribuída aos que nessa noite estavam escalados! A secção de serviço tinha uma tenda do tipo casa da guarda.
O natural seria, cada um servir-se da sua arma, que era a que lhe foi distribuída e não a de outro, por isso mesmo tinha o seu número e que era ele que dela devia cuidar e guardar, era a sua arma.
Quando fosse entrar de serviço carregaria a UZI com as vinte e oito balas e quando regressasse retirava o carregador. Uma coisa é estabelecer a forma, ou regra, ou principio, outra bem diferente era cumpri-la. E, assim o que fez a última ronda da noite, ou devido ao sono ou à imprudência que está quase sempre à espreita, em vez de pegar na sua arma foi a que estava mais à mão, iniciando a violação do princípio estabelecido, meteu o seu carregador e foi fazer a ronda. Quando regressou, continuou a violar a regra de segurança, ao não retirar o carregador, indo dormir deixando a arma carregada. A arma que não era a sua, era apenas igual, mas o número era diferente.
Programado estava para a manhã qual dos furriéis iria apresentar a UZI e explicar o seu funcionamento a duas secções da bateria que também ocupava o espaço comum.
Reunido o grupo em semicírculo, iniciou a aula, naturalmente convencido de que tudo estava como tinha preparado, portanto a arma seria a sua e descarregada, como a tinha deixado, com o carregador vazio. Enganou-se!
A UZI estava com a segurança ativada, mas o carregador, que devia ser o seu, sem munições, era o que foi colocado pelo último que esteve de serviço, levou a arma que não era a sua e nela deixou, quando regressou à tenda, o seu carregador municiado, inadvertidamente.
Assim que a aula chegou à fase do uso para disparar, a arma começou a despejar o carregador, em rajada, atingindo três instruendos, um numa perna, outro na clavícula e o terceiro, só de raspão, numa perna também.
O pânico instalou-se no grupo, o furriel ficou em estado de choque a olhar para a UZI como se nunca a tivesse visto, certamente a nem pensar o que outros pensaram: uma unidade acabada de chegar, ia tendo as primeiras baixas. Os atingidos, assistidos pelos enfermeiros, seguiram para o hospital militar que se situava bastante perto.
Os que não tinham presenciado, ouviram a versão e avaliaram o que podia ser a dimensão da tragédia.
Apenas como nota de um humor de mau gosto, mas que foi parte integrante do ocorrido e da miríade de situações bizarras que porventura muitos iriam viver e alguns viveram já antes de chegarmos. Quando tudo estava a ficar calmo, apenas um ou outro a querer saber qualquer pormenor que não entendeu, ouviu-se um dos cozinheiros, quase aos gritos, dizer que algumas balas tinham atingido o panelão da sopa que estava ao lume e que se transformou num “repuxo de jardim” de onde saiam dois jatos de caldo a fumegar.
Era inevitável que alguns sorrisos aflorassem, o meu incluído.
O resto do dia foi de grande azáfama, sobretudo para os amanuenses e responsáveis pelo aprovisionamento dos vários materiais.
Do Pelotão, os mais sacrificados foram o tenente Neta e o furriel Magalhães, tiveram que arranjar forma de irem procurar mantas para usarmos nessa segunda noite, pois arrefecia bastante devido à muita humidade do ar.
O outro pessoal foi-se revezando no visionamento dos materiais que iam chegando, nomeadamente as armas individuais, obuses e outros materiais de campanha que deviam estar já em Luanda quando chegámos, vindo em um dos vários Carregueiros ao serviço da guerra.
A minha secção, de munições, composta por mim e seis motoristas, ainda sem motor, estávamos no desemprego, não tínhamos munições nem paiol para as acondicionar, assim como não tínhamos camiões, nem faziam falta, as três baterias continuavam em Luanda e também não precisavam ser reabastecidas; íamos participando noutras tarefas, apenas.
Nesse segundo dia, ao fim da tarde, apareceu em frente dos edifícios por nós ocupados, com ar de quem está fora do seu território, mas ao mesmo tempo alegre e desenrascado. Correspondeu ao meu cumprimento, abanando o coto do rabo e de imediato me adotou, seguindo-me para todo o lado.
Nada que se parecesse com um cão terrorista, se algum houvesse, pelo menos não constava. Uma hora depois já todo o pessoal comentava que o furriel Monteiro já tinha adotado um cão africano. Eu é que fui escolhido pelo pequeno pinscher malhado.
De uma mochila cortei um pedaço de uma das correias e dela fiz uma coleira e como não sabia o nome do primeiro amigo, sem cerimónia, “aqui te batizou com o novo nome - Comandante          “ que escrevi na coleira nova a preto e bem visível.
E, assim, fiquei com um cão que me adotou, fizemos amizade, dei-lhe nome, escrevi-o na coleira, tudo improvisado; ele, como eu estávamos longe do território, numa guerra que não era a dele, nem a minha.
Mal sabia eu que a brincadeira ia dar chatice! E só não deu porque o major, Comandante do Regimento, sendo militar na forma de trato, era humano e compreensivo nas avaliações.
Um dos oficiais, do tipo guerrilheiro de má-língua, achou que o criador da coleira estava a apoucar a patente do major e sua condição de Comandante e essa interpretação teve como resultado imediato ser chamado, como adotante e padrinho do canídeo, ao gabinete do senhor major, onde este me perguntou o que eu pretendia insinuar com o que escrevi na coleira?
Fiquei pasmado, pois não tinha pensado em tal coisa e como eu também era um comandante, da secção de munições, quando muito teria querido dar uma graduação ao amigo peludo, para poder circular à vontade o que como civil não podia! Um sorriso aflorou ao rosto do major e a sentença foi: “furriel Monteiro, vai a tua vida, mas tira a coleira ao animal ou apaga o que escreveste!”
Ou por que se apercebeu do incidente e de que alguém devia não gostar dele a ponto de ser despromovido, resolveu dar à sola sem se despedir, levando para onde foi, uma coleira de lona e o nome que não era o seu.
No dia seguinte apareceu um casal de civis à procura do cão, alguém lhes terá dito tê-lo visto por ali, oferecendo quinhentos angolares para recuperar o pinscher.
Dei conta ao casal do que se tinha passado e que o animal tinha desaparecido no dia anterior, sem se despedir e com uma coleira de lona ao pescoço com a inscrição “Comandante” por não saber qual o nome do simpático pinscher.
Fomos nós que oferecemos ao nosso filho no dia do seu aniversário e ele lhe tinha dado o nome de Mozart, em homenagem ao grande compositor, que o nosso filho admirava e ao piano executava, parece que com mestria, algumas das suas obras para piano.
Prometi que se voltasse a aparecer lhes comunicaria, mas não mais voltou. O Mozart, de pelo.
O compositor desaparecera muito antes, mas o seu nome e a sua obra continuam bem vivos, no piano a solo e nas mais diversas orquestras de todo o mundo. E está para continuar!
Ao sétimo dia, não aquele em que deus descansou, para contemplar a obra de sua criação, alguém terá decidido que o Pelotão de Comando e Serviços iria mudar-se, de armas e bagagens para o Grupo de Artilharia de Campanha de Luanda (GACL), cujas instalações ficavam no topo da colina que se inicia junto ao rio seco, que serve de fronteira entre a Maianga e o Alvalade, e termina no planalto sem fim, que ali se estendeu talvez para descansar da subida e se estende para o interior, pelo menos até Catete, a setenta quilómetros de distância.
A colina é uma duna de areia, pedras sedimentares e terra vermelha, que se terá formado quando Neptuno se acalmou e mandou os mares recuar para o espaço que hoje ocupam, mais ou menos.
O Alvalade estava destinado a ser um bairro para a classe média alta, só com vivendas, mas que a guerra terá interrompido e só uma estava construída e não concluída, esse era o aspeto exterior. Não sei como está hoje, mas era um terreno de ótima situação, virado a Sul, com boa exposição ao sol e relativamente perto dos hospitais, civil e militar.
Bem no alto do lado poente estava inacabado também o único edifício com dez pisos, certamente para ser vendido em regime de propriedade horizontal e que o inicio do conflito terá interrompido.
A mudança do Pelotão para o GACL era provisória, diziam os oficiais, mas a verdade é que nenhum deles disse quando, quase todas as semanas iam dizendo que na seguinte iriamos, não sendo dito para onde iriamos e a verdade é que vinte e sete meses passados estávamos ainda sediados no mesmo local.
E a guerra em nada foi perturbada!


                                                           III


As colchas nas varandas da marginal não deviam sequer ser guardadas, tal o ritmo de chegada de militares por via marítima; outros por via aérea, oficiais superiores, sobretudo e especialistas, médicos e auxiliares, também os que vinham a preencher os lugares de baixas em combate ou acidente e que não podiam demorar os oito dias feitos por mar.
Se as colchas nas varandas eram a forma simpática de nos saudar os que ali moravam, noutros pontos da cidade a forma de simpatia era diferente, ora oferecendo transporte da Petrofina para a cidade ou desta para a Petrofina: eles é que tomavam a iniciativa de nos convidar.
Não tardou muito para que algumas dessas gentilezas se fossem alterando e assim confirmando a minha desconfiança acerca da franqueza dos gestos, baseada num pequeno incidente com um taxista!
Apanhei-o junto ao GACL e disse que queria ir para São Paulo onde ia jantar com o amigo José Manuel, enfermeiro no Hospital Militar, sendo dos primeiros a ser chamado, deixando o Hospital da Estrela, em Lisboa, onde fui diversas vezes quando ele estava no turno da noite. O taxista, em vez de seguir em frente para o local de destino, virou à esquerda em direção ao Hospital Militar, continuando a descer até ao Largo da Maianga e continuou pela Serpa Pinto em direção à Mutamba!
Aparentando uma calma que já tinha esgotado, disse-lhe, como quem pede: quando se cansar de me mostrar a cidade, agradeço que me leve até onde pedi, a São Paulo!
Apanhado de surpresa, começou por dizer que “se tinha distraído”, para depois mudar o alibi para “sou taxista há pouco tempo”
Passados cerca de dois meses, eram centenas os militares a circularem pela cidade, a pé ou em viaturas que nem sempre, ou mesmo raramente, respeitavam as regras e as viaturas civis seguiam o exemplo, aliado aos desacatos noturnos de que eram protagonistas alguns militares, quase sempre embriagados, acrescido da escassez de alguns bens que o excesso de procura naturalmente provocou, começámos a aperceber-nos que a simpatia estava a virar para antipatia, não expressa por atitudes claramente ostensivas, mas pela indiferença e o fim da cooperação espontânea.
Numa das vezes que fui assistir à chegada de mais um contingente, reparei que as colchas eram agora bem menos, os passeios com meia dúzia de curiosos e os aplausos tinham passado de moda.
A guerra era a Norte e não em Luanda, comentava-se à boca pequena! Vieram defender-nos dos terroristas ou fazer turismo para Luanda? Mas todos os dias viam, como eu via, no ar, os Heli numa roda-viva a chegarem com macas laterais, em direção aos hospitais, para logo partirem em nova missão. A isto não ligavam, passava-se longe do seu olhar “critico”.
Em alguns ramos de comércio houve franca prosperidade, assim como em indústrias, nomeadamente da cerveja e do tabaco, que eram as que conhecia melhor e eram óbvias as melhorias.
Com a debandada dos residentes habituais, foram os militares quem dinamizou e de algum modo alterou os hábitos: nos cafés, restaurantes, pensões e casas particulares, assim como espaços de “diversão” noturna que surgiam como cogumelos.
A prostituição aumentou em progressão geométrica, tanto a indígena como a que diariamente chegava de vários pontos.
Bem vistos os prós e contras, eram bem mais os que lucravam com a presença dos militares do que a dos que perdiam. Descontentes sempre os houve e não seria a Luanda daquela época a exceção à regra.
Com a nossa instalação no GACL, o Estado deixava de assumir a responsabilidade do alojamento e da alimentação, a oficiais e sargentos não em operações.
Havia uma messe para os oficiais, próxima do Quartel-general e para os sargentos funcionava também um refeitório, onde só fui uma vez e funcionava ao fundo do espaço relvado em frente do Liceu Pedro Nunes, às Ingombotas.
Funcionava muito mal, segundo diziam os camaradas que dele se serviam e que eram quase só militares do Quadro permanente. O edifício era quase novo, mas não construído para aquela função.
Começámos a procurar restaurante e habitação, tendo o primeiro sido junto ao cinema Restauração, de que não recordo o nome. Foi curto o período.
Alguém nos informou haver uma família que fornecia alojamento e habitação, na Rua da Maianga. Eram de Tomar, tinham dois filhotes pequenos e dois criados africanos, adolescentes, rapaz e rapariga. Acertámos o preço e ficámos os três furriéis do Pelotão: o Figueiredo, o Magalhães e eu e mais um colega conhecido do Figueiredo, o furriel Pinto, filho de um comerciante na localidade junto das Minas de Jales. A camarata deve ter sido a sala principal do primeiro piso da vivenda.
Estivemos ali mais de um ano, exceto o Figueiredo, que foi morar com o alferes com quem trabalhava, na contabilidade.
Com a saída do Figueiredo ficou livre um dos divãs, que raramente estava desocupado! Como funcionava não sei, mas era adotada quase todos os meses, por sargentos, ou em gozo de férias, ou em tratamento que implicava períodos mais longos de permanência em Luanda, ou andavam a procurar outra solução mais equilibrada os que queriam mandar vir a família. Os resistentes, mais por despreocupação do que por nos sentirmos bem, eramos os três: eu, o Magalhães e o Pinto.
O primeiro café que à noite nos atraiu, foi o Polo Norte, ou por termos passado e visto, ou por algum já instalado há mais tempo, ou até pela provocação que o nome parecia ser. Polo Norte quase no Equador e calor abafante como o de Luanda, só podia ser…o café de luxo. Não era, durou pouco, logo nos cansámos!
Na casa da Dona Rosa fazia as refeições um individuo com um pouco mais de trinta anos, gerente do Café Bracarense, junto ao Largo da Maianga. Ou por ser nosso companheiro nas refeições ou por ser junto deste café que os autocarros civis paravam e seguiam para a zona dos quarteis, passando pelo Hospital Militar e o autocarro militar ali para também, passámos a ter ali o ponto de paragem e de encontro! Era a área de serviço usada nas modernas autoestradas! Servia excelentes pregos no pão ou no prato.
Durou até ao último dia de Luanda!


                                                           IV


Com a pensão completa, incluindo o tratamento da roupa e o local de paragem para o tempo de lazer após as refeições, tudo indicava que a vida de Luanda ia transformar-se numa cansativa rotina, sobretudo para as noites. Cinemas eram três os que funcionavam e um era mais virado para o teatro, que raramente havia!
O Restauração, era um belo edifício da Avenida, cujo nome não recordo, paralela à Serpa Pinto e apenas como ponto de referência, tinha uma estátua ao general Norton de Matos, coisa que em Portugal penso que não tinha, talvez por ter concorrido a umas eleições presidenciais com o candidato do regime, o general Carmona.
O Colonial, também num edifício próprio, situado na Rua Pedro Nunes e perto do Liceu com o mesmo nome, tinha uma particularidade que, ou nasceu com ele ou então foi adotada face às temperaturas normais e sem dispor de qualquer sistema de ar condicionado: em vez de bancos agrupados, como os outros tinham para organizar a plateia, tinha mesas de madeira, tampo quadrangular e quatro cadeiras em volta de cada mesa; era uma esplanada dentro do edifício, onde serviam várias bebidas e serviam os chamados “acepipes” ou salgados à escolha, sendo que tremoços havia sempre! Esse serviço era prestado com o filme a decorrer e nos intervalos, penso que mais que um, eram mais para o reabastecimento.
O Miramar foi construído à beira da falésia, formada na colina, onde o bairro fino com o mesmo nome foi sendo edificado, só com vivendas e todas ou a maior parte, eram muradas; dizia que a falésia foi formada pelo corte feito na colina frente à Baía e ao mar, para serem construídos o porto marítimo e a estação dos Caminhos-de-ferro. Parte da plateia era coberta por um por uma pala feita em madeira, apoiada em postes tubulares em ferro e sem qualquer parede para proteção dos ventos, toda a parte restante era a céu aberto, do lado direito tinha um bar com uma pequena esplanada de onde os que frequentavam por vezes ficavam a ver o filme. O écran, era uma placa de betão na vertical, com uma ligeira curvatura, assente sobra uma placa que lhe servia de “pedestal” Estava já a escassos metros da beira da falésia, só areia de consolidação frágil que, de vez em quando, se soltava mais um pedaço e ia parar ao aterro que já se estava formando com os pedaços que desistiam, por Acão das chuvas e do vento, de servir de suporte ao écran e, respeitando a lei da gravidade, desciam e se aninhavam até pararem! Dos três que funcionavam, era o Miramar o mais atraente em dias normais, e ficava às moscas em dias de chuva ou de vento forte. De dia, cinema não havia!
Como os filmes ficavam em exibição por vezes várias semanas, ao terceiro dia ficava-se sem programa, a não ser que o filme justificasse uma segunda vista, o que era raro.
Assim, para as noites em que não havia cinema, tínhamos que inventar outra forma de estar ao ar mais fresco da noite, por que em casa, o que havia era calor! Televisão ainda não havia, rádio não tinha e a vida de bares, boates ou cabarés, eram demasiado caras para o salário de um furriel.


                                                           V


Para que a rotina se não instalasse, no final de Agosto – estamos no ano de sessenta e um – fui destacado para a bateria cento e quarenta e sete, que iria entrar em operações, onde estive quase todo o mês de Setembro, a tomar parte na Operação Esmeralda. Este período de vinte e seis dias será tratado em apontamento próprio, ou capítulo, para que tenha o destaque que lhe atribuo, que pode muito bem ser que o não mereça para algum incauto que venha a tomar contacto com este registo.
O correio, sobretudo o que a cada um era destinado, tinha uma importância incalculável! Não tanto pelo conteúdo, na maioria das vezes, mas por ele o meio de ligação mais comum para comunicar com familiares e amigos.
Também o pessoal que ia chegando e era conhecido, funcionava como pombo-correio trazendo noticias de um País onde nada era normal e menos ainda surpreendente.
No início foi o centro da cidade o espaço privilegiado para satisfação das nossas curiosidades; depois, mas só durante o dia, foram os bairros indígenas, os musseques, que despertaram mais interesse; os mais próximos da cidade, como o São Paulo, quase já rodeado de prédios de vários pisos para habitação, e estabelecimentos de vários ramos, ocupando espaço que, de certeza, estava antes ocupado por cubatas, ora empurrando-as para mais longe, ora cercando-as de edifícios com vários pisos, destinados a quem tinha possibilidade de pagar uma renda os mesmo comprar, como no caso do São Paulo.
As cubatas, na sua quase totalidade, eram construídas com estacas em bruto, de uma árvore cujo nome não sei e depois de feita a armação é colada lama que vai secando e que é um isolador e regulador de temperatura! Mesmo quando a chuva era muita quase sempre aguentavam, com um outro dano, logo recuperado. Nas ruas, de terra solta, perdida já a cor avermelhada ou da cor de tijolo, devido ao uso constante e ausência de limpeza, a cor era mais cinzenta e ficavam alagadas, com as chuvadas, mas depressa secavam, uma boa parte se infiltrando e ao mesmo tempo vaporizando e subindo para se juntar à já densa camada da atmosfera.
A maioria dos indígenas não trabalhavam, trabalho não havia, vivendo em extrema pobreza e a maior parte das famílias tinham um rancho de filhos.
Não foi difícil concluir que toda a cidade, exceto a faixa virada para o mar, da Ilha ao Miramar, estava cercada de musseques, cada um com seu nome próprio e características diferenciadas. Um deles, cujo nome não recordo, o último daquele lado do planalto; a seguir era a descida para o Cacuaco. Era tido como o mais perigoso e parece que não era só fama.
Fui lá um dia, acompanhado por um dos moradores, motorista no GACL. Mal entrei, a sensação era a de labirinto, mas rapidamente passou para a de cerco, nos espaços entre cubatas mal cabia um corpo, mesmo que não fosse avantajado e dois a cruzarem-se, só mesmo de lado. Dos lugares menos esperados surgia uma cabeça que mal se distinguia entre o castanho dos muros, formados por estacas, onde iam entalando qualquer tipo de matérias sem préstimo, como latas, cartão e pedaços de esteira que raramente era nova! Alguns houve onde nunca fui, mas gostava de ter ido!
Não eram inocentes, ou curiosidade apenas, as incursões a estes bairros de nativos, a partir de certa altura; tinham a ver com a oferta de sexo, diferente do tradicional, no centro da cidade, onde as prostitutas eram já idosas, pouco afáveis e não poucas vezes, quase insultuosas! A algumas, o dinheiro abundante “subiu-lhes â cabeça” e eram as novas-ricas: uma lástima!
No musseque havia as variedades de idades, de tom de castanho da pele, do rosto mais ou menos bonito, embora o europeu em geral, dissesse que eram todos iguais. O asseio era sempre tido em conta, porque o preço era estandardizado: cinquenta angolares.
Entretanto, como sempre deve suceder em tempo de guerra, os proxenetas iam importando gente para satisfazer a procura que a concentração de jovens deslocados sempre desencadeia. As boîtes abriam como cogumelos, mas rapidamente deixavam de o ser e passavam a cabarets, ou casas de alterne e era para estes novos espaços que eram canalizadas pelos seus “homens”!
Apareceram portuguesas, algumas da Ilha da Madeira ou assim se dizendo, já com contrato firmado para os cabarés, ajudando a enriquecer comerciantes e angariadores, mais do que elas próprias! O costume…
Como a procura aumentava e o “serviço” prestado não era muito pesado, a oferta acompanhava o ritmo de crescimento; as dificuldades eram grandes para as famílias nativas, sobretudo depois da quase deserção dos europeus, já que muitos daquela gente nova eram criados destes: criados, não empregados!
A vida dos europeus em Luanda, segundo me diziam e fui confirmando, funcionava em pequenos grupos, formados com base no local de trabalho ou profissão, raramente de residência; alguns eram a partir da região de que eram originários em Portugal.
É conveniente esclarecer, para mais facilmente entender este fenómeno, que a maioria dos portugueses que residiam em Angola ou noutras das “províncias” ultramarinas, ali tinham chegado, depois de terem preenchido algumas formalidades, nomeadamente a da “carta de chamada”. Os seja, teria de haver alguém que, grosso modo, se responsabilizasse pela pessoa que ali queria ir viver.
Terá havido, muito antes destes, naturalmente, os dos degredados, ou sejam, os condenados nos seus Países, Portugal, Brasil, Espanha e até Itália, por crimes de natureza sexual, contra a religião vigente e outros, coincidindo com a criação do Império Colonial: purgar o pecado e limpar a Europa! Havia outras colónias, como Brasil e Moçambique para onde eram desterrados, mas Angola foi tida como “terra de degredo”, talvez por ser a mais próxima! Alguns se tornaram famosos e formaram grandes fortunas, mas não me parece de algum interesse abordar um tema que está tratado por especialistas e fugia do projeto que me propus levar a cabo: a minha passagem pela terra para onde eram enviados alguns condenados por crimes que a sociedade europeia definiu como graves.
Quando cheguei a Angola, penso que estaria preso um escritor, cujo crime era esse mesmo – ser escritor. Luandino Vieira, preso numa das cadeias de Luanda, quase desconhecido para o meio literário, veio a ser o autor de uma obra com o titulo – Luuanda -, premiado pela Sociedade Portuguesa de Escritores e não entregue, por os governantes de então não terem gostado; e como eles não tinham gostado, gente de gosto requintado, ninguém mais devia ou podia gostar, dando ordem para apreender toda a edição. E foi assim que li o Luuanda, do Luandino, que tinha sido apreendido por ordem de um Tribunal de Lisboa.
Não se ficaram só pela recolha dos livrinhos, dissolveram a Sociedade Portuguesa de Escritores e convidaram os dirigentes e membros do júri que atribuiu o Grande Prémio da Novela, Camilo Castelo Branco a passarem pela António Maria Cardoso, por que a PIDE-Policia Internacional e de Defesa do Estado, queria apresentar-lhes cumprimentos pela decisão de distinguirem o condenado escritor!
Na altura, um dos três jornais regionais que não davam descanso aos senhores da Censura, o Jornal do Fundão, o Noticias da Amadora e o Comércio do Funchal, o do Fundão, teceu largos elogios ao autor, preso em Luanda a cumprir uma pena de catorze anos de cadeia, por não saber escrever de maneira que os críticos de lápis azul gostassem, acabou por ser suspenso, por terem direito a umas férias pelo esforço despendido com o elogio ao autor do Luuanda.
Este “negócio” dos livros apreendidos foi em sessenta e cinco, era eu Encarregado de Instrução Preparatória no Tribunal Judicial de Leiria, acompanhando o Juiz Ajudante do Procurador da República na visita a uma das livrarias da Marinha Grande e duas de Leiria! Rendeu pouco, um livro na Marinha e três em Leiria!
Voltando a Luanda e aos grupos fechados que se encontravam, rotativamente na casa de cada um, à noite, para celebrar algum acontecimento, para cavaquear, ou para cometerem o pecado da gula! Ao fim de semana eram as famílias, com seus farnéis, a espalharem-se pelas praias que se foram formando, umas maiores, outras só uma pequena faixa de areia, desde o Forte de São Paulo até à ilha do Mussulo ou para as da ilha do Cabo, podendo escolher mar agitado ou águas quase paradas, as da baía! Mesmo na frequência das praias se notava a que extracto económico pertenciam. Como não eram muitos era fácil perceber.
Depressa chegámos à conclusão de que, havendo dinheiro, não faltavam ofertas para preencher as noites.
O calor era o pior aliado, para não dizer, inimigo. Não pelas altas temperaturas, como já antes ficou anotado; era a ausência de circulação da camada de ar, ficando saturada de humidade, transformando a cidade numa sauna à sua escala.
Uma das primeiras recomendações que um motorista de táxi me fez, logo num dos primeiros dias, foi a forma de evitar o paludismo e a desidratação: tomar muito “quinino” líquido, cerveja ou whiskey e não ligasse muito aos comprimidos de “camo quine” que nos eram distribuídos no quartel. E, assim, procedendo, não tanto para seguir o conselho do taxista, mas por ser inevitável ingerir líquidos para manter o equilíbrio da saúde.
Uma das bebidas que adotei e que em Portugal ainda não havia, foi o Seven Up, o Setup como a maioria lhes chamava. Era agradável de sabor e podia beber-se quase gelado. Era, sobretudo, original, parecido com as gasosas de Portugal.
A Cuca e a Nocal, cervejas fabricadas em Angola, eram as de maior consumo, já vendidas em garrafas de um litro e que a Sagres não fazia em Portugal.
Durante o primeiro ano as companhias das noites, além das inseparáveis melgas, foram o Magalhães e o Pinto, ambos colegas de pensão e o primeiro, de serviço também.
A integração noturna foi sendo feita com alguma eficácia e já em vários locais éramos conhecidos, respeitados e até bem-vindos; noutros, nem por isso, sobretudo no cinema Restauração, a partir de um incidente que podia ter sido evitado ou resolvido de outro modo.
Por estranho que possa parecer, passados meses sobre o inicio do conflito que, todos, mais ou menos, sabiam das causas principais, uma delas era o tratamento desigual entre as diversas raças de que a população de Angola era formada, mais ainda a luandense. Mesmo entre elas, segundo critérios de alguns dos seus membros, tinha que haver distinções, nunca invocada a questão do mérito.
Não eram muitos os turistas que procuravam Luanda e quando não há procura não há investimento e não havendo este aquela não surge. Não é nada inventado, são as regras próprias que vão gerindo a aplicação de capitais em sociedades fechadas e de poucos conhecimentos, se comparadas com as que viveram a primeira grande revolução industrial. E se Portugal a não viveu e dela não beneficiou, estranho seria que as suas colónias a tivessem. Portugal sempre foi, segundo analistas do século XX, um país de comerciantes ou negociantes, sem vocação industrial.
Sendo poucos os turistas, de vez em quando nos cruzávamos com europeus, vindos de outros pontos de Africa, nomeadamente do Congo Belga, países que tiveram suas colónias naquele continente, como a França e que iriam a Luanda em negócio, frequentando o que havia para ocuparem seus tempos livres: os cafés, restaurantes, cervejarias e cinema, sobretudo quando eram realizados por franceses ou dobrados nesta língua, sobretudo no Restauração.
De calção, camisa de manga curta e fresco tecido e ausência de gravata.
O porteiro, por certo cumprindo ordens da gerência, não criava entrave algum, bastava-lhes que falassem francês.
Com os militares portugueses, nomeadamente graduados, só entravam se engravatados, depois de entrar acabava a obrigação de a manter! Era como um livre-trânsito para militares, juntamente com o bilhete.
O controlo dos bilhetes e da gravata, era feito uns metros depois da entrada, por uma porta aberta num gradeamento em ferro em toda a extensão do hall.
Aquilo andava a provocar uma revolta que atingia todos; decidimos correr o risco e resolver a questão, ou seja, acabar com aquele tipo de discriminação.
No dia combinado, o grupo era de cinco ou seis, apresentámo-nos ao portão todos sem gravata e de bilhete na mão. Aguardámos, propositadamente que dois belgas estivessem a entrar.
Sem problema algum, entraram. A seguir apresentei-me eu, sem gravata e logo o zeloso porteiro levantou a “cancela” em que o seu braço direito se transformou e abanando a cabeça ia dizendo “sem gravata não”.
Como estava combinado, seguiram-se mais dois, cada um pegando o porteiro pelas axilas, enquanto eu pedia ao belga para nos acompanhar em direcção ao gabinete da gerência e os dois restantes ficaram a tomar conta da entrada, pedindo aos clientes que ainda não tinham entrado para aguardarem um momento.
Mal nos viu chegar, o autoritário senhor ainda esboçou um gesto de protesto, que não terminou, quando eu lhe perguntei o porquê de o estrangeiro ter um tratamento diferenciado do português? Ali, naquela época, o português não era estrangeiro, sendo isso que estava em disputa naquela guerra, mas o pessoal do Restauração não soubesse ou fingia não saber.
Não houve grande discussão, mas quando o porteiro regressou ao posto de trabalho a substituir os furriéis Gil e Silva, já trazia a ordem de não mais exigir o uso de gravata a quem quer que fosse.

                                                 IV
Agradecemos por despenderes tempo no envio dest



Houve aplausos, sobretudo do belga e do porteiro e este a dizer: “já não era sem tempo…acabou a injustiça!”
Outras se foram corrigindo, mas deixo só mais um exemplo.
Um pouco mais tarde que em Portugal, também a Luanda chegou a moda dos teddy-boys! Embora com algum atraso chegava quase tudo o que era mau!
E para azar dos seguidores da moda e nosso também, um núcleo de adeptos provocadores assentava arraiais no Bracarense; jovens, mais novos que nós, alguns a exibirem pastas de calfe com fitas de cores diferentes, como se fossem alunos de faculdade em Portugal e talvez fossem, já que Angola não tinha Universidade naquela época.
Da esplanada do “Braca”, viam-se uma boa parte do Largo da Maianga de onde parte a Avenida que liga ao aeroporto. O grupinho, pouco corajoso, mal via passar uma quitandeira passar, normalmente vendendo banana e abacaxi, levantava-se, tipo bando de pardais, avançavam para a negra, cercavam-na, insultavam, empurravam de uns para outros, mais bofetão, a fruta a cair do cesto e a ser pontapeada pelo passeio.
Soubemos desta peça de teatro pelo encarregado do Bracarense, que tinha sido nosso colega na casa da Dona Rosa e logo combinámos que os “universitários” iam receber uma aula prática de direito, mesmo que as fitas fossem de medicina ou letras.
Deviam ser umas cinco e meia da tarde, era sábado e reparámos que o grupo das fitas se dirigia para a Rotunda; tinham visto a negra, de giga à cabeça, apregoando “bananoê”.
Nós fomos de seguida, separados e a disfarçar, olhando para os carros que passavam e não perdendo de vista o grupo fiteiro   , já a iniciar o cerco!
Avançou o nosso “pelotão” quando as bananas já tinham abandonado o certo e a negra a gritar por socorro!
Então, senhores universitários, andam nas aulas práticas? O bando ia a debandar, mas fê-lo muito devagar e ainda deu tempo para lhes assentarmos umas biqueiradas nos traseiros e umas estaladas na cara de parvos, ao mesmo tempo que lhes prometíamos que continuaríamos a seguir o caminho dos seus “cursos”!
Foi “remédio santo”, como como costuma dizer-se! Devem ter abandonado a faculdade e desmembrado o grupo; quando voltaram a reaparecer no Bracarense era aos pares e as pastas de fita ficaram em casa.

Reis Caçote
1961/2014                                                                                                                        
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 ESTE ME LEVOU E SE COMPROMETEU (EU NÃO) A TRAZER-ME
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              AQUI MOREI DE AGOSTO/61 ATÉ JANEIRO/63

ERA O CAFÉ ONDE NOS JUNTÁVAMOS PARA APANHAR O AUTOCARRO QUE NOS LEVAVA PARA O QUARTEL E SE RECEBIAM OS AMIGOS QUE CHEGAVAM, VINHAM DE FÉRIAS OU DE PASSAGEM!